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Amor não tem que doer: 5 coisas que somos ensinadas a fazer errado

Que atire a primeira pedra quem nunca experimentou um amor platônico. Pelo galã da novelinha adolescente, pelo vocalista da banda de hardcore que tocava nos festivais da cidade, pelo balconista da padaria, pela capitã do time de handebol da escola, que causava uma confusão toda especial na nossa cabeça num momento em que a gente ainda não tinha muita clareza sobre a nossa orientação sexual.

Na verdade, não importa muito quem tenha sido o alvo da nossa paixão platônica – o que importa é que a gente idealizou. E como idealizou. A gente acordava pensando no que ele tomaria no café da manhã e ia dormir pensando na cor da coberta que ele usaria para se proteger dos doze graus que fazia lá fora. No ônibus, a gente imaginava a capa do livro que ela estaria lendo e, na aula de física, a gente imaginava que ela tinha uma facilidade ímpar pra entender os princípios da ótica. Reuniões de família eram ocasiões perfeitas pra fantasiar como ele tratava os avós com carinho e o quão saudável era o prato que ele montava no almoço.

Todas essas idealizações serviam para compor o protótipo de ser humano com o qual a gente se relacionaria, andaria de mãos dadas no parque, trocaria juras de amor, dividiria garrafas de vinho e entrelaçaria as pernas nas noites gélidas de inverno. Acontece que, por medo de se decepcionar, a gente preferia não aproximar o ideal do real. Porque sempre tinha a história da menina que se declarara e tomara um belo dum toco. Ou da que até havia sido bem-sucedida no approach, mas que, com a convivência, descobriu que ele era estúpido, rude, desrespeitoso e agressivo.

Então, blindadas pelas más experiências dos outros e temendo sentir dor, a gente escolhia não se arriscar. E além de tudo isso, corria, à boca pequena, a ideia de que mulher não deve escolher, e sim ser escolhida.

Lembro-me até hoje da nossa postura nas primeiras festas do farol regadas – ainda – a muito refrigerante e salgadinho. Nós, à época meninas, encostávamos nas paredes do salão de festas retangular, esperando o ~cavalheiro~ que ~faria o favor~ de nos tirar para dançar. Nossa meta, na noite, era ser escolhida. E para alcançá-la, tínhamos que nos mostrar interessantes, charmosas, cheirosas, femininas, comportadas, vaidosas e bonitas. Verdadeiras bonecas se digladiando discreta e indiretamente para ver quem ia ficar com o principezinho.

E hoje, quando me lembro dos meus primeiros contatos com o amor carnal – sejam as paixonites platônicas, as idealizações, o medo de demonstrar carinho, a postura para ser escolhida ou a disputa com as meninas que estavam no mesmo barco que eu – vejo que, nesse quesito, a gente aprendeu tudo errado. Tudo. E pior: na maioria das vezes, fomos destinadas a aprender o errado só porque somos mulheres. O que nos torna sempre a parte mais suscetível das relações heteronormativas. A parte que, habitualmente, sente dor, sofre por amor, se frustra e se traumatiza.

Abaixo, vou listar e comentar cinco coisas erradas que a gente aprendeu sobre relacionamentos, que é pra gente refletir, entender e não reproduzir nunca mais, se possível – porque amor não tem que doer.

1. Idealizar

A idealização é a raiz da decepção. Idealizar, em linhas gerais, é enxergar o outro como você quer que ele seja, e não como ele realmente é. É desejar que o outro cumpra as expectativas que você tem com relação a ele, independente de quais sejam as vontades genuínas dele. É querer que o outro abra mão da própria essência para agir de acordo com a aparência que você julga que ele tem. E não há amor que resista à idealização. De um lado, porque o tombo é dolorido para quem idealiza. De outro, porque o idealizado só cumprirá as expectativas do idealizador se abrir mão de um negocinho que deve ser prioridade na vida de todo mundo: o amor-próprio.

2. A experiência ruim do outro deve servir para balizar o meu comportamento

É claro que há casos e casos. Se eu sei que pessoas já morreram ou terminaram amputadas ao provocar tigres, eu não vou brincar de bobinho com um. Mas se uma amiga foi traída, faz sentido eu presumir que não há a possibilidade de construir um relacionamento fiel? O fator humano faz tudo ser relativo.

3. Demonstrar carinho é uma postura digna de vergonha

É certo que a gente nunca sabe qual vai ser a reação do outro ao receber o nosso carinho. Mas, nem por isso, devemos nos privar de dizer uma palavra de compreensão ou de fazer um gesto de gentileza. Mais amor, por favor <3

4. Mulher deve ser escolhida em vez de escolher

Esse pensamento é fruto de muito machismo que nos foi enfiado goela abaixo durante séculos. Em primeiro lugar, porque tira a mulher do espaço de protagonista e deixa seu destino sujeito à ação de homens. Em segundo, porque cria mais uma dentre as tantas proibições que nós, mulheres, experimentamos nessa vida: fica cerceado o nosso direito de desejar, já que nascemos para ser desejadas. E em terceiro, porém não menos importante, porque cria um padrão visual e de comportamento, de maneira a nos tornar sempre visualmente aprazíveis, sorridentes e doutrináveis – afinal, queremos ser escolhidas e vamos fazer o que for necessário para isso.

5. A moça na mesma situação que você é sua inimiga

Ela está ~concorrendo~ ao mesmo prêmio que você: a eleição. Portanto, é natural querer derrubá-la, desmerecê-la, afastá-la. É normal procurar defeitos nela, querer se vestir melhor do que ela, ter ciúme dela. E é assim que nós, como feminino, ficamos mais fracas, mais submissas e menos coesas. Patriarcado dá pulos de alegria.

E muito embora seja difícil desconstruir conceitos que aprendemos ao longo da vida e que continuam nos massacrando – seja nos filmes, nos livros, nas músicas ou nas mesas de bar –, esse é um processo possível e, acima de tudo, necessário para que possamos entender o amor como ele realmente é: um sentimento genuíno e simples, que não aceita posse, competição, vergonha ou medo. Que nos liberta, em vez de nos amarrar. Que nos engrandece, em vez de nos machucar. Que nos enche de felicidade com a simples condição de que o outro também esteja feliz.


Bruna Molon Grotti é jornalista, roteirista e escritora. Um pouco sensível demais, um pouco sucinta de menos. Na eterna luta para se desconstruir. No eterno processo de tentar entender que a gente não tem dois ouvidos e uma boca à toa. Facebook  Instagram: @brunagrotti Twitter: @brunagrotti Snapchat: brunagrotti