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Aborto no Brasil: na contramão do mundo

Imagem: Fotos Públicas / Fernando Frazão / Agência Brasil

Imagem: Fotos Públicas / Fernando Frazão / Agência Brasil

Dia 28 de setembro é o Dia Mundial pela Descriminalização do Aborto e utilizamos este gancho para, ao longo do mês inteiro, discutirmos esse passo tão necessário para os direitos das mulheres e tão solenemente ignorado no Brasil.  

Para quem não está familiarizada com a discussão sobre aborto, é importante dizer que geralmente olhamos para a questão com as lentes erradas. No Brasil, na América Latina e no mundo,  querem reduzir um assunto muito complexo na dicotomia “Você é contra ou a favor?”, como se essa resposta bastasse para fazer uma política pública existir ou não. E a realidade é que a legalização do aborto tem muito mais nuances do que nos apresentam.

Para começar, todo mundo tem o direito de ser contra ou a favor do aborto e por quaisquer motivos. Toda mulher também tem a soberania de pensar se é algo que faria ou não com o seu corpo.

O que dificilmente colocam na roda é que quando o aborto é proibido as mulheres não deixam de fazê-lo. O que acontece é que elas morrem ou têm consequências irreversíveis por realizá-los em condições inseguras (em casa ou em clínicas clandestinas).

No Brasil, o aborto inseguro sempre figurou entre as principais causas de mortalidade materna. Era o terceiro maior fator, hoje é o quinto, e é o que não deixou o Brasil atingir a meta do milênio de reduzir a mortalidade materna. Por ser ilegal, não temos estatísticas oficiais e confiáveis, mas estima-se que uma a cada 5 mulheres até os 40 anos já realizou um aborto na vida. E que sejam realizadas de 600 mil a 1 milhão de interrupções voluntárias de gravidez todos os anos, mesmo com todas as sanções legais proibindo a prática.

Em contrapartida, os abortos legalizados (que no Brasil são permitidos em caso de estupro, risco de vida para a mãe e anencefalia) não ultrapassaram 1523 em 2013. É muito óbvio que as “soluções” do Estado não fazem nem cócegas na raiz do problema.

Dados do mundo todo mostram que para diminuir a mortalidade materna em decorrência de complicações de aborto a única saída é legalizá-lo. O Brasil já foi advertido pela ONU para fazê-lo e ainda assim nada. Os dados também mostram que os países que legalizaram o aborto não passaram a realizar mais o procedimento. Pelo contrário: a educação sexual, que faz parte da mesma política de legalização, faz com que os abortos não sejam mais necessários.

Em outras palavras: o que muda com a legalização do aborto é que as mulheres param de morrer e passam a ter total autonomia perante seu corpo. Tá aí um interesse que quase ninguém tem…

Quase 100% das mortes decorrentes de abortamento vêm de países em desenvolvimento, que são os que têm as políticas mais duras na questão. Para especialistas em saúde pública e em direitos das mulheres já é muito claro como a  legalização é o passo que deve ser tomado. Mas não devemos esperar nada do tipo do Brasil.

Aqui, nem com Dilma, nossa presidenta mulher, tivemos avanços na área. O que dirá com o governo Temer, cuja primeira ação foi eliminar as mulheres de seu governo e dar ainda mais espaços para os conservadores?

Já há alguns anos, quando o crescimento dos conservadores no Congresso começou a se manifestar, nós não lutamos para avançar e sim para não retroceder. Ainda corremos um risco real da PL 5069/2013 ser aprovada, dificultando o acesso à pílula do dia seguinte e exigindo BO para que uma mulher estuprada possa interromper a gravidez. A PL é de autoria de Eduardo Cunha, que pode ter seu mandato cassado nos próximos dias, mas que tem muitos equivalentes no Congresso.

Fora a PL 5069, que ficou mais conhecida por originar as manifestações #ForaCunha e #MulheresContraCunha, temos ainda o Estatuto do Nascituro e outros projetos de lei que querem restringir e criminalizar ainda mais o aborto no país. Temos um governo golpista sem a participação de mulheres ou qualquer preocupação com nossas pautas. Temos um Ministro da Saúde dizendo em alto e bom som que tem que trazer a Igreja para discutir o aborto.

Trocando em miúdos: nossos direitos sexuais e reprodutivos nunca foram totalmente assegurados, mas agora correm um risco inédito de retrocesso. Que neste mês de setembro e em todos os outros não nos falte voz para gritar e nem disposição para ir às ruas, porque motivos estão sobrando.

Educação sexual para escolher
Contracepção para prevenir
Aborto legal para não morrer


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Nana Soares é jornalista que vai escrever sobre desigualdades de gênero até elas deixarem de existir. Co-autora da campanha contra o abuso sexual do Metrô de São Paulo, escreve sobre feminismo e violência contra a mulher para o Estadão e faz parte do Pop Don’t Preach, um podcast sobre feminismo e cultura pop.