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Empoderar meninas é construir equidade de gênero

Arte: Cris Siqueira / Reprodução Facebook

Arte: Cris Siqueira / Reprodução Facebook

Há pouco tempo a internet ficou em pânico ao conhecer a existência da Escola de Princesas. O link da notícia foi espalhado aos quatro cantos e muitas pessoas ficaram chocadas com sua existência.

Primeiramente, vamos combinar que aprincesar meninas não é uma novidade, a novidade é que agora ganhou CNPJ. Basta refletir sobre como o mercado de cosméticos e da moda, com a ajuda da mídia tradicional, vem criando soluções para idades cada vez menores, tornando meninas em mini-mulheres com desejo de se encaixar nos padrões de beleza.

Nós, mulheres crescidas, já sabemos como essa indústria consegue minar a nossa autoestima com o objetivo do lucro e da manutenção do patriarcado. Acontece que, por muitas, vezes esquecemos que isso acontece desde que somos muito pequenas, na nossa escola, dentro de casa, entre as amiguinhas. É só lembrarmos da nossa infância com um olhar crítico e conseguiremos encontrar todos os pequenos detalhes orquestrados pelo patriarcado para a inferiorização feminina.

Desde muito novas as meninas são responsabilizadas pelas tarefas domésticas, o que reforça o ideário da divisão sexual do trabalho que se reproduz até a idade adulta. Quanto mais trabalhos domésticos realizados, menor é o tempo dedicado aos estudos e às brincadeiras.

E, crescendo em meio à realização dessas tarefas, é fácil internalizar esse como sendo seu lugar social.

É importante lembrar que, inserindo recortes de classe e raça, a questão se torna muito mais grave e complexa. A exploração do trabalho, casamento infantil, prostituição e aliciamento de menores são questões que rondam diariamente a vida de meninas em situação de vulnerabilidade social.

Outro ponto intrigante sobre o caso é a pouca visibilidade que projetos que trabalham com meninas para promoção da equidade de gênero conseguem ter, mesmo nesse cenário de indignação. Sou sempre a favor de usar nossa energia para espalhar, e quem sabe fazer parte, de algo que promova uma transformação real ao invés de falar mal. Por isso venho compartilhar uma das melhores experiências que tive o privilégio participar, o Girls Rock Camp Brasil.

O projeto que nasceu em Portland, nos Estados Unidos, utiliza a música como maneira de despertar nas meninas a consciência de gênero. Em meio a atividades lúdicas como a formação de uma banda, aprender a tocar um instrumento e escrever uma música autoral é possível falar sobre temas como identidade e sororidade, além de desconstruir papéis de gênero que aprisionam o potencial de realização das meninas. Tudo num clima divertido, descontraído e cheio de mulheres inspiradoras e singulares.

Pra mim, um dos diferenciais mais legais do acampamento é que ele é todo feito por mulheres. Um fato que pode ser considerado um detalhe mas com um olhar mais cuidadoso podemos entender a potência disso. Nós mulheres crescemos sem referências, tanto na escola como na TV, as mulheres ocupam posições secundárias, desimportantes ou até mesmo invisíveis.

Levando isso em conta, estar num ambiente onde as mulheres lideram, carregam instrumentos, dão aulas de defesa pessoal, cantam, tocam bateria, guitarra, tem diferentes tipos de corpos, cabelos, cores e origens é realmente mágico.

É criar um novo repertório de possibilidades de existência às meninas que vivenciam esse ambiente durante uma semana.

Outra parte da mágica é poder ver a mudança acontecer, tanto em nós (e falo aqui na posição de voluntária) quanto nas meninas que participam. A postura muda, o jeito de falar também. Muitas meninas adquirem segurança, começam a se entender enquanto sujeitos carregados de potencialidades e desejos, entendem que não há barreira social que possa distanciá-las do que elas querem e podem ser.

Em uma semana, 60 mulheres voluntárias e - a partir de 2017 - 90 meninas campistas, tem seus universos expandidos. Em janeiro de 2017 o Camp completa 5 anos na promoção do empoderamento de meninas por meio da música e ganha também mais uma edição no país, além de Sorocaba acontecerá também em Porto Alegre.

Um projeto que na sua trajetória impactou mais de 400 meninas e mulheres e que vem se financiando de maneira independente e com o apoio de amigos e da comunidade sorocabana. Por isso, idealizamos um ciclo de atividades de arrecadação chamado Resistência Lunar, com o apoio de várias mulheres que doaram seu tempo e trabalho. A ideia é mostrar um pouco da experiência do Camp, trazer à discussão do empoderamento de meninas à tona e ainda ajudar financeiramente da realização da edição de 2017.

O primeiro ciclo contou com oficinas de bordado, dança, música e cinezine, e no dia 26, este sábado, realizará um evento gratuito e aberto para meninas e mulheres. O Dia da Menina, parte das atividades do Resistência Lunar, vai contar com uma conversa sobre empoderamento na prática, oficina de lambe para meninas, oficina de ginecologia natural para mulheres e um pocket show. E, para finalizar o ciclo, promoveremos também o Festival Resistência Lunar que, no dia 11 de dezembro, vai contar com um line up cheio de mulheres que expressam suas identidades e vivências em diversos estilos musicais.

Se você ficou em choque com a Escola de Princesas, que tal aproveitar sua indignação e apoiar um projeto que busca construir uma sociedade mais equânime entre os gêneros?

Tá aí uma grande oportunidade de se conectar com outras mulheres, rasgar os papéis de gênero, desconstruir tabus sociais e ainda contribuir pra que o trabalho continue sendo feito. Como a internet diz por aí: apoie sua gang de garotas local!


A assinatura mensal da Comum dá acesso a parte fechada, que inclui as trilhas, o fórum, encontros só pra comunidade (on e offline) e desconto em encontros abertos ao público. Você pode pagar R$40/mês ou financiar uma mina que não possa pagar, com R$80/mês. Saiba mais aqui.


Beatriz Vivanco é feminista, designer e ativista. Facilita, colabora e desenvolve projetos para empoderar de meninas e mulheres.