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Combater o estupro? Hoje não.

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O caso do estupro coletivo no Rio de Janeiro deu tanta repercussão que o governo Temer, onde as mulheres não têm vez, não teve como não se pronunciar.  E como foi irônico ver o presidente interino e seu Ministro da Justiça irem a público condenar o ocorrido e anunciar medidas para combater a violência de gênero, já que foi exatamente nesse ponto que seu governo recebeu as primeiras e duras críticas.

E como não poderia deixar de ser, o que foi anunciado no dia 31 de maio foi uma tragédia. Medidas superficiais, sem maiores explicações e que em nada combatem a raiz da violência. Não que desse para esperar algo diferente de um governo tocado por uma mentalidade misógina e atrasada e que tem um Ministro da Justiça guiado por uma mentalidade de punição e repressão. Um governo que nem conseguiu esperar Dilma sair do Planalto para desmontar as políticas para as mulheres e para afastar as mulheres da Política.

O governo Temer é tão escandalosamente ignorante no que tange os nossos direitos que parece piada.

Devo confessar que as vezes desacredito que clichês tão baratos estejam no Poder, acho que estava “mal” acostumada a ver uma mulher ali, ainda que ela tenha nos deixado na mão muitas vezes. Mas desilusões à parte, quero destacar um trecho do que foi dito por Temer no anúncio dessas medidas. É daqueles trechos que você não sabe por onde começa a corrigir e que dá a ideia de como estamos abandonadas institucionalmente. Temer declarou:

"Estamos assistindo a uma onda crescente de violência contra a mulher. A competência não é da União, mas podemos ajudar no combate à violência contra a mulher. Neste sentido, estamos vendo como podemos incrementar o auxílio aos Estados no combate a este tipo de violência porque entendemos que a conjugação de esforços é fundamental" 
Fonte: UOL

Para começar, caro presidente, nós não vemos uma onda crescente de violência contra a mulher. A opressão e exploração das mulheres é fundante desse país. É um pensamento absolutamente generalizado que as mulheres valem menos, podem menos, são menos donas de seus corpos e  de suas vidas. O que é crescente não é a violência, mas sim a luta contra ela e a exposição dessa mentalidade machista.

Nós só estamos mais barulhentas.  

Mas, sendo honesta, de fato corremos o risco de ver a violência aumentar, só que esse risco atende por “você na presidência”. Atualmente, não há ameaça maior para nossos direitos.

E isso fica bem claro quando Temer diz que a competência de combater a violência contra a mulher NÃO É da União. Oras, é de quem então? Se temos um estupro a cada 11 minutos, se somos o 5° país que mais mata mulheres, se a violência é um fenômeno absolutamente generalizado por aqui, como pode um presidente ter a audácia de dizer que é um problema que não lhe diz respeito? Honestamente, estou MUITO curiosa para saber de quem Temer acha que é a responsabilidade. Também queria saber se ele realmente acredita que excluir mulheres do primeiro escalão político e rebaixar os órgãos que cuidam de nossas pautas não têm consequência nenhuma.

O show de horrores sempre pode ficar pior: ao anunciar medidas de combate à violência contra a mulher, Temer sequer mencionou educação, direitos humanos, igualdade de gênero. E vou dizer de novo: não que eu esperasse que ele fosse afinado com esses conceitos, mas não dá para achar normal ou aceitável tamanha ignorância. Não é com modernização de sistemas das delegacias que se combate a violência, não é com mais força policial que se constroi uma cultura igualitária. (Ah, e também não é melhorando a economia que se diminui estupro, viu Mágino Alves Barbosa Filho?).

O anúncio dessas medidas foi tão vago que não se sabe nem quando elas serão implementadas. É um governo que exclui mulheres, que demora para se pronunciar em casos bárbaros de violência e que anuncia medidas tão eficazes quanto enxugar gelo. Enquanto for essa a mentalidade que estiver comandando o país, não vamos chegar nem perto de combater a cultura do estupro. 


Nana Soares é jornalista que vai escrever sobre desigualdades de gênero até elas deixarem de existir. Co-autora da campanha contra o abuso sexual do Metrô de São Paulo, escreve sobre feminismo e violência contra a mulher para o Estadão e faz parte do Pop Don’t Preach, um podcast sobre feminismo e cultura pop.