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O que os Ministérios do Temer dizem sobre o nosso machismo

Depois da votação do Senado hoje, e da notícia de que o vice-presidente Michel Temer (PMDB) assumirá como presidente interino, a notícia sobre os nomes cotados para o Ministério tomou as redes sociais: apenas homens brancos para as quase 20 pastas, e nenhuma mulher - o que não acontecia desde o mandato de Ernesto Geisel (1974-1979).

A notícia choca. É não é pra menos.

Mas a verdade é que não há nada de muito diferente do que vemos no dia a dia. As indicações pra Esplanada só são um triste reflexo da sociedade.

É uma questão de representatividade. Os homens são a maioria em grande parte das profissões, ganham cerca de 30% mais ocupando os mesmos cargos (aqui no Brasil, segundo o relatório Novo Século, antigas desigualdades publicado pelo BID em 2009) e estão em 96% dos postos de poder da estrutura corporativa. Na política não é diferente: em 2012, éramos 13% do total de assentos das Câmaras Municipais. No Senado, somos 13 de 81 cadeiras, e na Câmara dos Deputados não chegamos nem a 10% do total das vagas.

Não ocupamos espaços públicos de poder. Nossa voz não ecoa nas salas onde grandes decisões são tomadas. Não somos nós debaixo do holofote.

Nas raras vezes em que estamos, todo um inevitável aparato machista surge pra trucar a nossa credibilidade. Foi o que aconteceu nos últimos tempos de efervescência política, com manifestações da mídia sobre a presidenta Dilma - e que trouxeram à tona questões profundas ligadas ao machismo estrutural conectado a nosso espaço limitado e oprimido de expressão.

Não basta chegar lá. Se o microfone está na mão de uma mulher, tudo o que ela diz é passível de ser refutado, subestimado, desvalorizado - pelos motivos errados. Ou ela fala demais, ou de menos. Ou não sabe o que fala. Não tem pulso firme e portanto não merece estar ali. Quando se impõe, fala alto, bota a banca, é louca, desvairada, agressiva. É menos mulher, é macho.

Dizem muita coisa quando o assunto é o discurso que sai da boca delas. E o grande problema é que o descrédito vem do fato de a pessoa ali, em voga. ser mulher. E só isso.

Além do gaslighting, têm um balde de xingamentos que colocam as mulheres num espaço de muito pouco, quase nada: "puta", "piranha", "vadia", "gorda", "baranga" e outras variáveis tomaram as bocas dos brasileiros nas manifestações contra a Presidenta. Ofensas baixas, só possíveis às mulheres, não aos homens. Políticos homens a gente ofende falando de idoneidade, moral, valores, desempenho, caráter.

E por que não fazemos o mesmo com as mulheres, então?

Porque somos machistas.

E as coisas não vão mudar do dia pra noite.

Se quisermos fazer alguma diferença, temos que começar a agir da base. Mostrando pras meninas a possibilidade de elas serem o que quiserem, médicas, cientistas, ocuparem cargos políticos, além da possibilidade óbvia e tão libertadora quanto de se dedicarem às profissões de cuidado ou se restringirem ao lar.

Precisamos também impulsionar as carreiras das mulheres. Contratá-las, promovê-las, fazer o que estiver ao alcance das mãos pra dar espaço, voz e oportunidades iguais.

Pra isso, temos que antes derrubar o mito da meritocracia. Tivemos, muito depois na linha do tempo, o direito de estudar, de trabalhar, de nos expressar com autonomia. Olhando bem rápido pra história é fácil de ver que não é justo competirmos a partir da mesma linha de saída. É como se, dada a largada da corrida, tivessem soltado os homens com carros e as mulheres a pé, com alguns bons anos de atraso.

Se não entendermos essas diferenças que se traduzem hoje em desigualdade e de fato, na prática, não voltarmos energia e atenção pra, todos os dias, com pequenas coisas, catapultarmos os movimentos de mulheres, Ministérios de privilegiados - e que vão criar coisas importantes a partir desses viéses masculinos hegemônicos - vai ser só o começo do retrocesso pra todas nós.


Anna Haddad é advogada de formação e jornalista de coração. Escreve para vários veículos sobre educação, colaboração, novos negócios e gênero, e dá consultorias ligadas à comunidades digitais e produção de conteúdo direcionado para mulheres.