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#SomosTodos : somos mesmo ou estamos apenas ignorando nossos privilégios?

Desde que a internet se tornou uma porta-voz de minorias, quando um caso de racismo, homofobia, machismo e coisas do gênero acontecem e viraliza na mídia, usam-se das redes sociais com campanhas e hashtags para conscientizar as demais pessoas a respeito daquilo, é comum vermos um “SomosTodos” seguido do nome da vítima, ou do que aconteceu, mas, será que somos todos mesmo?

Isso começou com o caso de racismo que o jogador Daniel Alves sofreu onde imediatamente criou-se uma hashtag nas redes sociais com os dizeres #SomosTodosMacacos que gerou muita polêmica uma vez que não, não somos todos macacos e, nem eu que sou negra vou dizer que sou, quem dirá as inúmeras pessoas brancas e que jamais passaram por algo parecido que o fizeram.

Com o caso da jornalista Maju não foi diferente, a Globo (uma empresa historicamente racista) puxou a campanha #SomosTodosMaju e é nessa campanha ou, nesse tipo de campanha que eu gostaria de focar, aquela que é destinada e atinge diretamente mulheres, em especial as mulheres negras.

Não preciso ser negro, para lutar contra o racismo!”

Verdade, a História nos mostra como milhares de homens e mulheres brancas ajudaram a população negra na luta e conquista de sua liberdade e posteriormente de seus direitos civis. E não, eu não estou falando da Princesa Isabel. Mas, é importante termos em mente questões como “protagonismo”, “lugar de fala” e tantas coisas que as vezes são ditas e ressaltadas e deixamos passar. Mas, o que seria isso? Quando penso na questão da luta de mulheres e esse movimento de uma forma geral, vejo a urgência de não usarmos da sororidade e união entre mulheres como uma tentativa de fazer valer o mito da igualdade racial e social, só voltada a questão de gênero.

É preciso termos um debate e conhecimento interseccional do que lutamos juntas. Não podemos utilizar de algo que todas temos em comum (gênero) para silenciar nossas diferenças e ignorar questões tão urgentes.

É preciso haver compreensão de privilégios, lugar de fala e tantas questões que nós mulheres ao longo de nossa militância pontuamos mas muitas vezes não é compreendido e nem atendido com a urgência que demanda.

Eu estou tentando ajudar, se não posso ajudar assim então não me peçam mais ajuda!”

Ouvi isso uma vez de uma mulher branca e de classe média, uma amiga em um momento que a mesma foi acusada de estar reproduzindo racismo. Foi como se ela falasse, se vocês não aceitam que eu protagonize a luta junto com vocês, não quero ajudar nessa luta de forma alguma. E é isso, o que muita das vezes acontece e, muitas das vezes também é dessa forma que fazemos com que a sororidade vá por água abaixo.

Sabermos dar a palavra para pessoas que sofrem determinada opressão falar, sabermos nos posicionarmos e acima de tudo ouvir uma mulher que relata um problema é de extrema importância quando pensamos em um espaço de acolhimento e apoio de mulheres. Compreender que não somos todas iguais, que temos nossas peculiaridades e que isso é o que nos torna únicas é algo transformador.

Quando entendemos isso, conseguimos parar de pensar em “como eu posso me unir a essa vítima?” e começamos a pensar em “como eu que, não sou vítima, posso ajudar essa pessoa?"

Percebem a diferença? Percebem a vontade de somar verdadeiramente que fica implícita na segunda frase? Devemos usar de nossos privilégios para ajudar umas às outras e, precisamos realizar diariamente esse exercício de reconhecer privilégios e entender que tudo bem tê-los.

Quando você tem algo que falta a diversas pessoas ao seu redor, isso por si só se torna um privilégio. Quando posso estudar em período integral, sem precisar me preocupar em trabalhar, isso é um privilégio. Quando não sou abordada pela polícia como “suspeito” devido a minha cor e minhas vestimentas, isso é um privilégio. Quando um crime que aconteceu na esquina da minha casa em local nobre vira manchete nos jornais, enquanto eu sei que milhares de crimes semelhantes acontecem nas periferias sem que qualquer pessoa saiba deles, isso é privilégio.

Privilégio não precisa ser algo ruim, é algo que você pode usar de forma questionadora e que, pode usar de maneira a tentar beneficiar os que não tem aquilo.

Termos consciência de classe, sermos críticas, sabermos ouvir o próximo, entendermos nosso lugar de apoio na luta de outras pessoas, tudo isso é ter empatia, tudo isso tem um potencial transformador não apenas para aquelas pessoas que tentamos ajudar, mas também e talvez, principalmente para nós mesmas.


Fabiana Pinto, carioca nascida no Rio de Janeiro e criada na Baixada Fluminense, vivendo em constante trânsito na cidade. Escritora na Revista Capitolina e estudante de Nutrição. Tenta integrar gênero, raça e educação em suas escritas e projetos. Seus textos podem ser acessados no Medium