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Política: à própria sorte sem a Secretaria de Políticas para as Mulheres

“Não sabendo que era impossível, ele foi lá e fez”.

A célebre frase de Jean Cocteau exemplifica com maestria o modo que o governo Temer vem agindo em relação aos direitos das mulheres. Quando pensamos que não dá para piorar, o presidente interino mostra que o poço é um pouco mais fundo e toma (ou deixar de tomar) alguma atitude que atinge em cheio a vida das mulheres.

A coroação dos retrocessos dos nossos direitos veio com a nomeação de Fátima Pelaes, ex-deputada e então chefe do PMDB Mulher, para a Secretaria de Políticas para as Mulheres do governo. Apesar do órgão ter perdido o status de Ministério, ainda é ele o responsável pela elaboração e efetivação de nossas pautas. Historicamente, foi ocupado por feministas com anos de militância e trabalho relevantes na luta contra a desigualdade de gênero, como Nilcéia Freire e Eleonora Menicucci. Nada mais lógico.

Só que a lógica passa bem longe do nosso novo governo, e agora as mais de 100 milhões de mulheres brasileiras estão à mercê de uma ex-deputada que se manifesta publicamente contra o aborto até mesmo em casos de estupro - e que volta atrás, dizendo que não é bem assim. Uma mulher que está envolvida em escândalos de corrupção e que sem qualquer constrangimento já declarou utilizar seu cargo público à serviço de sua crença religiosa. Num estado que, vale lembrar, é laico em teoria.

A nomeação, ainda não oficial, se deu em meio a uma semana com estupro coletivo de adolescente e ex-ator pornô que assumiu violência sexual levando propostas para o Ministério da Educação. Seria cômico se não fosse trágico. O movimento feminista também não entendeu de onde veio a nomeação de Fátima Pelaes e as especialistas da área criticam duramente a escolha. Mais uma vez, Temer não deixou qualquer dúvida de que não entende nada de igualdade de gênero e que não está preocupado em atingi-la .

Nós mulheres nunca fomos, de fato, amparadas pelo Estado brasileiro, mas nos últimos tempos conseguimos a proeza de sentir saudades do governo Dilma, marcado por alianças injustificáveis e pouco avanço em pautas importantes como a da legalização do aborto.

Não há mais como duvidar de que estamos entregues à própria sorte, já que não dá para contar com este governo ilegítimo para melhorar a vida das mulheres.

Agora mais do que nunca só podemos contar com nós mesmas e com nossas redes de apoio. É o jeito de minimizar os danos de viver em uma sociedade sem qualquer zelo institucional pela vida de metade de sua população.

Custa acreditar que o governo Temer está aí há menos de um mês. Nos seguremos, porque a tormenta está só começando.


Nana Soares é jornalista que vai escrever sobre desigualdades de gênero até elas deixarem de existir. Co-autora da campanha contra o abuso sexual do Metrô de São Paulo, escreve sobre feminismo e violência contra a mulher para o Estadão e faz parte do Pop Don’t Preach, um podcast sobre feminismo e cultura pop.