`

Por uma política com Manuelas e Lauras

Mulheres sempre foram figuras incômodas na política brasileira. São inúmeras, embora nada insignificantes, as amostras disso em uma cultura que nunca pensou em nos contemplar. Nosso Senado Federal, por exemplo, só ganhou um banheiro feminino em 2016. Até ano passado, as senadoras da República usavam “provisoriamente” o banheiro da lanchonete do prédio. Sabe como é, política não é lugar de mulher.   

Só que a política não se faz do nada. Nossas ideias e imaginário sobre como ela deve ser são construídos e alimentados o tempo todo pelo resto da sociedade e, ao menos no caso brasileiro, o Poder acaba por ser um retrato do que temos de pior mais conservador. Nossos políticos são tipicamente empresários. Homens brancos, ricos, tradicionais, heteros. E, assim como no mundo corporativo, repudiam tudo que entendem como feminino, por considerarem algo fraco.

A mulher tem dificuldades de ascensão nos poderes público e privado. Para ser bem-sucedida e levada a sério tem que se 'masculinizar', negar tudo que há de feminino nela.  

Associamos o feminino a fraqueza e a algo incompatível com espaços de poder. Se uma mulher é “feminina” demais, ela falhou como líder. Se é “feminina” de menos, falhou como mulher.

Nesse contexto, imagine o susto e o choque que a deputada estadual Manuela D'Ávila vem causando no Rio Grande do Sul, ao exercer abertamente sua maternidade na Assembléia Legislativa - e onde mais lhe der na telha. Manuela, antes deputada federal, decidiu dedicar-se à maternidade e voltou para seu estado natal, onde hoje é deputada estadual pelo PCdoB. Foi a deputada mais votada do Rio Grande do Sul em 2014. Em agosto de 2015 nasceu Laura, sua filha.

Para ser mãe, Manuela jamais cogitou desistir da política, apenas fez o ajuste que achou necessário no momento. Laura já nasceu filha de deputada, em nenhum momento atrapalhando ou interrompendo a carreira da mãe. Como deveria ser a regra. Mas, pelo menos até onde eu saiba, foi a primeira vez que isso aconteceu na nossa Política. Não me lembro de ter visto uma deputada comparecer às sessões ordinárias acompanhadas de seu bebê, inclusive amamentando-a quando necessário.

Como tudo que é novo, assustou. Deixou muita gente indignada e bradando que aquilo não era lugar para levar criança, que deixasse com uma babá, que tivesse algum pudor. É verdade que por ter um privilégio socioeconômico Manuela poderia deixar a filha com uma babá, mas só se esse fosse seu desejo. Independentemente disso, os espaços de trabalho têm que saber acolher uma mãe recém-voltada de licença (e um pai na mesma situação). A deputada não deveria, em plenos 2015/16, chocar na proporção que chocou pelo simples fato de levar a filha ao trabalho. Mas foi escandaloso demais para nosso imaginário masculinizado e quadrado do que deve ser um ambiente sério de produção.  De quem deve ocupá-lo ou não.

O total despreparo das instituições para lidar com a presença de crianças é apenas mais um sintoma de nossa inabilidade para tratar de questões femininas, onde a maternidade ocupa um papel importante.

Vivemos em um mundo em que chefes ainda perguntam sem constrangimento se uma candidata a uma vaga é solteira, casada ou pretende ter filhos em breve, e a resposta pode prejudicá-la. É absolutamente normal que as mulheres calculem e alterem suas gravidezes por conta de um emprego, já que engravidar tira muitas de suas garantias e estabilidades e coloca em risco o próprio emprego, mesmo que isso seja contra a lei. Entendemos trabalho como algo que não pode de jeito nenhum convergir com o conceito de família, e já que também entendemos que a família é responsabilidade de mulher, não é difícil perceber quem sai prejudicado nessa configuração.  

Numa política que banalizou as desigualdades, é de se venerar a atitude de Manuela D’Ávila. Ela resiste contra as forças mais tradicionais desse país. Resiste por ela e por todas nós, que precisamos e precisaremos de espaços mais acolhedores para nossas necessidades, porque os espaços também são nossos.  Se precisamos amamentar, é bom que as Câmaras e empresas comecem a se acostumar. Enquanto isso não for absolutamente comum, não estaremos em pé de igualdade.


A assinatura mensal da Comum dá acesso a parte fechada, que inclui as trilhas, o fórum, encontros só pra comunidade (on e offline) e desconto em encontros abertos ao público. Você pode pagar R$40/mês ou financiar uma mina que não possa pagar, com R$80/mês. Saiba mais aqui.


Nana Soares é jornalista que vai escrever sobre desigualdades de gênero até elas deixarem de existir. Co-autora da campanha contra o abuso sexual do Metrô de São Paulo, escreve sobre feminismo e violência contra a mulher para o Estadão e faz parte do Pop Don’t Preach, um podcast sobre feminismo e cultura pop.