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Como meus cabelos crespos me ensinaram a ser a mulher que sou hoje

Já faz dois anos desde que fiz meu big chop ou “grande corte” e, ao longo de todo período de transição até hoje em que passei sem esquentar minha cabeça (e os meus fios de cabelo) posso dizer que aprendi muito sobre cabelos crespos, autoconfiança, ser negra e sobre mim mesma.

Em 2014 decidi deixar de realizar procedimentos químicos no meu cabelo, ou seja, decidi deixar de agredi-lo apenas para agradar outras pessoas, que esperavam de mim uma imagem física que não correspondia com meus ancestrais e passei então a escolher agradar a mim mesma.

Quando decidi mudar - ou na verdade aceitar o que sempre fui - precisei passar por um processo longo e doloroso. Eu estava caminhando para a aceitação de uma imagem que era algo socialmente indesejado (a imagem da mulher negra) e, teoricamente no sentido contrário a ideia de poder e autoconfiança feminina que havia me sido ensinada ao longo dos anos: é comum que nossa imagem física diga muito a respeito de nós e nossa autoconfiança.

E, o que é mais evidente na beleza de uma mulher em nossa sociedade do que nossos cabelos?

A ideia de poder e cabelos sempre nos foi passada através de mídias tradicionais como coisas complementares. É fácil perceber quando assistimos inúmeros comerciais de shampoos, condicionadores e cremes nos dizendo: “Porque você vale muito!”. Sim, você vale muito, mas só se você possuir esse lindo cabelo longo e liso. Agora, se você for “diferente”.... Aí é outra história.

A tesoura é minha e eu corto o que quiser.

Tudo bem, naquele instante meu cabelo já estava com centímetros de raiz, era cabelo alisado com cabelo crespo, com cabelo quebrado e aquilo tudo de certa forma refletia também como estava minha cabeça: um caos. Aliás, a tesoura não era exatamente minha. Era da amiga que dividia apartamento comigo, e essa tesoura sempre ficava parada na cômoda do banheiro como se estivesse me olhando, e enquanto isso eu olhava para minha imagem no espelho e sofria.... Sofria demais. Até decidir que não ia mais sofrer (pelo menos, não por causa do resto de cabelo liso na minha cabeça).

Não acho que essa foi a melhor forma de cortar meu cabelo, eu aconselharia todas que quisessem passar por esse momento a procurar um salão ou uma amiga para que o fizesse, mas o momento era de crise e precisou ser assim, e assim foi.

Fiz meu corte no banheiro de casa no meio do período de provas da faculdade, pouco antes de ir para a aula. Cortei bem rente aos meus cachos que já cresciam no couro cabeludo, foi-se toda a parte lisa, desci pelas escadas do meu prédio e fui ao supermercado comprar o primeiro creme para cabelo (crespo) que vi - na época não conhecia muitos então aceitei a indicação da atendente do mercado -, subi correndo, já estava muito atrasada, passei nos cachos curtos e fiquei me admirando, sentindo e começando ali a conhecer a mim mesma.

Antes desse momento eu passei, assim como muitas mulheres, por fases de cortes de cabelo até finalmente me aceitar. Vale ressaltar que, durante esse período, aprendi e ainda aprendo muito a respeito de cabelos crespos, meu cabelo, minha imagem e a melhor forma de cuidar e amar a eles (e a mim também).

Por exemplo, os cabelos crespos e cacheados se dividem em tipos e dependendo do seu tipo talvez a melhor forma de cortá-lo seja a seco, diferentemente do que é feito com cabelos lisos ou ondulados. Nosso cabelo molhado não é o mesmo quando seca, ele pode sofrer muito com o (indesejado) fator encolhimento ou simplesmente com o frizz que faz com que sua forma às vezes fique fora de controle (mas não menos bonita).

Então, quando tratamos de cabelos crespos é necessário re-aprendermos tudo que sabemos a respeito do trato com nosso cabelo, afinal, o que nos foi ensinado não era exatamente para nós, provavelmente ninguém nos falou a melhor forma de secar o cabelo ou as técnicas de cuidados e produtos que são mais ou menos aconselhados para termos um bom resultado em nossos fios. Isso não era algo que a indústria de fato se importava em fazer, pelo contrário, queriam que continuássemos daquele jeito moldado.

Costumava dizer que “preferia” meu cabelo liso porque “cabelo crespo dá muito trabalho”... Não posso dizer que eu estava totalmente errada. A única coisa que eu não sabia era que se tratava de um trabalho prazeroso e que viria a me trazer tantos ensinamentos, para além da estética.

Ah, se eu soubesse teria feito antes, bem antes.