Muito se fala sobre como os novos estilos de vida vão fazer ruir o capitalismo recheado com uma generosa dose de consumismo que vivemos hoje. Muito também se fala do preço desses novos estilos de vida – não é barato ser natureba, gente! Só larga tudo quem tem algo para largar. Só vive de arte quem tem alguma outra maneira de pagar as contas. Só viaja o mundo sem medo de ser feliz quem tem grana guardada ou nenhuma responsabilidade que não possa ser deixada para trás. Tudo é lindo, mas nem tudo é permitido à maior parte de nós, então isso não é bem uma revolução.
A revolução, para mim, é muito mais simples do que tudo isso. E pode ser feita quase sem sair de casa. É um retorno, quase uma viagem em busca das nossas origens. É olhar para o outro como o que ele realmente é: igual a nós. Porque, vamos ser sinceros, ninguém está livre de aflições, medos, cobranças e inseguranças, muito menos quanto ao futuro.
Entender o conceito de comunidade parece simples, mas não é. Somos criados para ser independentes, para não pedir ajuda, para ter o que é nosso e não precisar dividir. Essa é a ideia do capitalismo: porque um prédio inteiro vai dividir oito máquinas de lavar roupa se cada um dos 48 apartamentos pode comprar a sua própria? Dividir não é algo que nos foi ensinado – mesmo com nossas mães sempre dizendo que a gente devia oferecer aos amigos um gole da nossa bebida, mesmo se fosse um pobre e minúsculo Yakult.
Não, eu não vivo em uma casa comunitária. Não sei se teria condições emocionais para isso. Conheço quem vive e é feliz. Conheço quem vive em coletivos, cada um na sua casa, e é feliz. E também conheço pessoas que passaram por essas experiências e não gostaram porque sentiram que não tinha nada de comunitário ali. E é aí que mora o ponto mais importante desse papo: viver em comunidade é muito maior do que dividir o espaço com outras pessoas.
Ainda estou aprendendo. Quando você pede ajuda pela primeira vez é estranho. Você precisa escolher alguém para fazer esse pedido. Depois da escolha você precisa falar com a pessoa e você nunca sabe como vai ser. Normalmente você pede, a pessoa aceita. Mas não, não para por aí. Você fica esperando o dia em que essa pessoa vai precisar de algo porque você PRE-CI-SA retribuir o favor. PRE-CI-SA.
E aí a pessoa pede. E você faz. Então você pede de novo. A pessoa te ajuda. Quando ela precisa, logo pensa em você. E isso vai virando uma prática comum. Você para de ter vergonha. Fica mais fácil pedir. Que legal. Eu vivo em comunidade. Não. Não é só isso. Isso é pedir um favor apenas. É o primeiro passo. Pedir é tão difícil e desgastante, porque fomos ensinados a não fazer isso, que sentimentos que já caminhamos muito.
Depois disso vem o passo de dividir as coisas:
- Colhi frutas, então divido com meus vizinhos/amigos. Eles colhem frutas, verduras ou legumes e dividem comigo.
- Vou viajar e tem coisas na geladeira que podem estragar. Vejo se meus amigos querem. Eles fazem o mesmo quando vão.
- Meus vizinhos viajam e pedem pra eu molhar as plantas. Eu viajo e peço pra darem comida e água pros cachorros, além de brincar um pouquinho pra eles.
- Preciso de uns minutos a sós com meu companheiro, deixo as crianças na casa de amigos ou dos avós.
- Queria comprar um desidratador de alimentos. Minha vizinha tem. A gente escolheu dividir.
Como assim? Quando eu quero usar o eletrodoméstico tenho que pedir para ela? Sim. Mando uma mensagem, peço, ela diz que tudo bem, passo lá, pego o treco, uso, limpo e devolvo. Quantas vezes vou fazer isso? Não é todo dia. Por que eu precisaria ter um desses só meu? Por quê? Hein? Só para não ter que depender de ninguém? Faz sentido? Não faz.
Viver em comunidade é quebrar a lógica do “não precisar de ninguém”.
Ser independente não tem nada a ver com não precisar de ninguém – mesmo porque nossa vida sempre vai depender de muitos outros indivíduos e alguns nem humanos são! -, tem a ver com sentir-se bem sendo quem você é e conviver bem com você mesmo. Anos luz mais difícil do que fazer tudo sozinho, gente!
E com esses primeiros passos a gente vai entendendo que pode dividir as coisas. Que lavanderia comunitárias podem ser interessantes. Que fazer pão não é uma coisa só pra você, que o fermento precisa ser dividido e que é interessante ter um grupo de pessoas para compartilhar isso. Que uma horta ou pomar faz mais sentido quando compartilhada. Que dar e pegar carona é inteligentíssimo. Que os brinquedos dos seus filhos podem ser itinerantes. E nem precisa ir muito longe: quem nunca fez uma compra num site gringo junto com os amigos só pra dividir o frete? Pega essa ideia e coloca em outras coisas: que tal comprar grãos a granel na zona cerealista? Que tal comprar no atacado, em grupo, coisas que todo mundo usa e dividir o valor?
Quando a gente descobre que não precisa gastar tanto dinheiro com coisas só nossas sabe o que mais a gente descobre? Que não precisa ganhar tanto dinheiro. E com isso a gente não precisa trabalhar tanto. E sem trabalhar tanto a gente tem tempo para fazer as coisas que a gente tem tanto tesão que nem precisam ser remuneradas. E isso, queridos, é ser feliz.
Além de que precisar de menos grana, gastar menos grana, trocar coisas, criar um mercado paralelo sem moeda e se apoderar disso é uma revolução belíssima – pode ter certeza que as empresas vão sentir no bolso quando vários grupos próximos começarem a agir assim.
Aos poucos a gente vai aprendendo que não precisa de tantas coisas, que pode trocar, que pode criar junto, dividir, pensar em maneiras novas. E isso faz diferença. Quando a gente compartilha esse conhecimento descobre que outras pessoas, do outro lado do mundo, também estão fazendo coisas parecidas. E aí a gente pode dizer que está fazendo revolução. Ainda pequena, mas revolução.
Essa revolução tem impacto em tudo: nas relações de amizade, nas amorosas, no autoconhecimento, na criação dos filhos. Sabe aquela imagem que todo mundo adora compartilhar no Facebook dizendo que uma criança é criada por uma comunidade? Pois é isso, gente. É se responsabilizar, dividir, cuidar junto. De tudo, não só de crianças fofas, fáceis de lidar e que você devolve para os pais quando a fralda fica cheia de cocô.
A melhor parte dessa revolução é que você não precisa mudar de casa, largar tudo, viajar o mundo ou fazer um voto de pobreza para participar. Basta olhar para o lado e ver as pessoas como possíveis aliados para mudar pequenas coisas. Que tal tentar?
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Carol Patrocinio é jornalista e divide seu tempo entre escrever para diversas publicações sobre assuntos relacionados ao mundo feminino e ao feminismo, como o Ondda, seu canal no Medium, vídeos no Youtube e consultorias para negócios que querem falar com as mulheres.