`

Pare de pedir para minha filha te dar um beijo

“Me dá um beijinho, dá.” - disse o homem que me servia café.

Ele não estava falando comigo, mas era tão – se não mais – inapropriado.  Ele estava falando com a minha filha, Violet.

Não é a primeira vez. Nos últimos dois meses, outros dois conhecidos – um vizinho e um antigo amigo da família, durante um casamento – se abaixaram até a altura da minha filha de quatro anos e bateram nas próprias bochechas, exigindo um beijo dela.

Em cada uma dessas situações eu quis gritar, “não peça para minha filha te beijar, é assustador!”. Eu me lembro de bochechas se apresentando para mim quando eu era criança, e de me sentir muito desconfortável com essa intimidade forçada.

Mas apesar da minha própria experiência de infância, eu não me expressei pela Violet. Eu fiquei parada, em silêncio, e assisti enquanto ela hesitou, se esquivou e então cedeu.

Tenho certeza de que os três pidões – uma mulher e dois homens – são boas pessoas. Não estavam sendo maliciosos. E eu não quis ofendê-los ou fazer uma cena.

Fui a boa garota que se preocupa em agradar os outros. Exatamente o que tento ensinar a Violet a não ser. Eu priorizei a harmonia social e a satisfação de estranhos às vontades da minha filha.

Mas eu não vou fazer o mesmo de novo.

A razão é a de que um beijo não é só um beijo, não importa o quão inocente ou inofensivo o pedido seja. Ser complacente com o ritual de demandar afeto de uma criança é uma daquelas pequenas lições silenciosas do dia-a-dia, através das quais nós ensinamos aos nossos filhos – especialmente para as meninas – que eles devem adequar as respostas emocionais deles para agradar os outros.

Isso atropela o esforço que fazemos  grande parte do tempo para mostrar às crianças que elas são donas dos seus próprios corpos. Ora, se seus corpos são mesmo delas, elas também precisam aprender que são responsáveis por seus instintos e desejos. Se uma criança não quer beijar um estranho – e, convenhamos, faz todo o sentido – então ela não deveria ter que beijar.

Eu quero que a Violet saiba que intimidade e afeto estão sempre sob seu controle. Que ela nunca deveria dá-los por obrigação. Ela não deveria ter que fazer isso só porque é o que as convenções sociais pregam.

Permanecendo calada, consentindo aos pedidos de afeto feitos por estranhos, eu efetivamente disse a minha filha que “é ok dizer não”- com exceções.

Essa mensagem é muito sutil para uma criança de 4 anos compreender. Ela só pode ser compreendida em termos absolutos. O que significa que o que a Violet tem que saber realmente é que, se ela não quiser beijar alguém, não precisa. Ela também tem que entender que eu sempre vou apoiá-la, ainda que eu acabe criando uma situação embaraçosa para mim ou para o estranho que pedir o beijo.

Um casal de amigos, que também acha bem estranho pessoas exigirem beijos das crianças, dribla essa bizarrice social sugerindo que seus filhos devolvam ao pidão um high-five ou um aperto de mão.

Essas ideias ao menos aumentam as possibilidades de respostas das crianças quando há uma aproximação e um pedido. Elas são apresentadas ao mundo dos cumprimentos e da cordialidade, reconhecendo o outro e, ao mesmo tempo, criando limites.

Acho que é uma boa opção para aproximações amigáveis, mas ainda acredito que precisamos deixar claro para nossos filhos que, sempre que eles se sentirem desconfortáveis ou pressionados nessas situações, têm o direito de dizer não. Ainda que a negativa deixe alguém ofendido.

Limites pessoais são ensinados – ou deveriam ser ensinados – cedo e com consistência. Correndo aqui o risco de soar professoral, digo que, na próxima vez que alguém pedir um beijo para a minha filha, vou fazer da situação uma grande lição. Uma oportunidade para reforçar a mensagem – na prática e na teoria – de que a única pessoa que decide quem é que ela beija é ela mesma.


Texto original em inglês, escrito pela Kasey Edwards e publicado no Daily Life. Traduzi com com a autorização da autora, depois de uma bela troca de emails :) Obrigada, Kasey.


A assinatura mensal da Comum dá acesso a parte fechada, que inclui as trilhas, o fórum, encontros só pra comunidade (on e offline) e desconto em encontros abertos ao público. Você pode pagar R$40/mês ou financiar uma mina que não possa pagar, com R$80/mês. Saiba mais aqui.


Anna Haddad é fundadora da Comum. Escreve pra vários veículos sobre educação, colaboração, novos negócios e gênero, e dá consultorias ligadas à comunidades digitais e conteúdo direcionado pra mulheres.