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Me disseram que ser magra era garantia de felicidade. Eu acreditei

Eu não nasci gorda. Eu nasci magra e fui ensinada que se eu continuasse magra seria bonita por mais tempo, envelheceria bem (seja lá o que for isso), teria as pessoas que desejasse a minha disposição e prosperaria no mercado de trabalho. Ser inteligente também era importante, mas de nada adiantaria ser inteligente e gorda.

Minha melhor amiga durante anos era gorda. Eu via seu sofrimento, mas não conseguia esconder o riso a cada piada sobre peso. A piada era feita. Ela baixava o olhar. As pessoas ao redor esperavam o meu consentimento para rir. Eu gargalhava. Lembrar disso me causa uma dor que não se compara a um milésimo do que ela deve ter sentido nesses momentos — sei que não muda nada, mas me desculpe.

Eu acreditava que se fizesse tudo certo teria o que me foi prometido. Fiz dietas que não precisava, alisei o cabelo, usei as roupas “certas” — porque a ideia de ser magra carrega um pacote de outras especificações com ela -, estudei e, bem, as coisas não foram assim simples. O destino traçado para mim, caso eu me mantivesse “como deveria ser” não foi entregue. E isso doeu.

Doeu ver que nada poderia fazer com que planos se tornassem realidade além de um esforço contínuo e incessante. Ser magra não era a saída. Doeu e me deu raiva de ver mulheres muito menos seguras do que eu com cargos que eu queria. Doeu mais ainda ver essas pessoas puxando meu tapete porque eu tinha tudo pra crescer. E aí doeu entender que além de ser magra, bonita, ter cabelo liso, ser branca e ter estudado muito eu também precisaria ter nascido na família certa, estudado com as pessoas certas, fazer o networking certo.

Sabe aquela dor que, de tão forte, faz a pessoa desmaiar? Foi meio que isso. Eu tinha feito tudo certo e não tinha recebido o prêmio. E aí veio a luz. A salvação. Algo inesperado e talvez o momento mais transformador da vida: que merda eu tava fazendo?

Quem era aquela pessoas que achava que tinha motivos para ser melhor do que as outras? Quem eu pensava que era para julgar outras mulheres menos seguras ou preparadas do que eu? Por que eu achava que tinha esse direito? O que fazia de mim melhor? Pois é, eu era uma pessoa horrível. Machista, sexista, gordofóbica, racista (por objetificar homens negros) e ainda assim achava que estava fazendo tudo certo.

Há 15 anos talvez eu fosse uma mulher raivosa que não entende porque não é sempre a escolhida. Talvez eu ficasse tão incomodada por não entender porque eu não estava ganhando o que me havia sido prometido que eu descontaria agredindo outra mulher, a ofendendo, fazendo com que ela se sentisse como eu me sentia: incapaz.

Corpos fora do padrão incomodam. Mas por que incomodam? Porque quando você não é feliz não consegue admitir que uma pessoa fora dos padrões o seja. O amor uma mulher gorda tem por seu corpo, por suas ideologias e por sua luta incomoda. E isso acontece porque a gente, enquanto sociedade, não consegue admitir que alguém possa ser feliz na contra-mão do "certo".

Essas pessoas também compraram a ideia de que se fizessem tudo certo, de acordo com a cartilha, teriam sucesso. Ostentariam um carrão e uma mulher troféu que nunca questionaria suas posturas. E elas, assim como todo resto de nós, foram enganadas.

E aí teve o texto da Maria Rita Casagrande que jogou a bomba final a esse momento de olhar para dentro. Precisei parar de ler diversas vezes para poder chorar e entender o que estava acontecendo comigo. Eu e ela crescemos em mundos opostos: eu, branca e magra; ela, negra e gorda. Eu rindo e ela baixando o olhar. Eu sou todas as pessoas que destruíram a vida dela. E hoje sou todas as pessoas que olham para mim com olhar torto apenas porque meu corpo não segue os padrões de curvas definido por alguém que curtia surrealismo.

Se tem uma coisa que torna todas as pessoas iguais é a necessidade quase vital de ser feliz e realizado. Não importa o peso, não importa a cor, não importa onde você nasceu — apesar de fazer uma diferença enorme na hora de atingir esses objetivos. Uma verdade muito dura que a gente precisa aprender para conseguir alcançar esse objetivo é que ninguém nos deve nada: nem felicidade, nem amor. E que não existe uma cota de felicidade e amor (seja próprio ou do outro) que vai terminar caso alguém diferente de você as atinja. Agredir quem consegue o que você quer é apenas inveja. E esse sentimento nos torna pessoas muito menores do que a gente jamais imaginou ser.

A pergunta que fica é: que merda nós todas estamos fazendo?


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Carol Patrocinio é jornalista e divide seu tempo entre escrever para diversas publicações sobre assuntos relacionados ao mundo feminino e ao feminismo, seu canal no Medium, vídeos no Youtube e consultorias para negócios que querem falar com as mulheres.