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#8 O que impede seu prazer?

A expressão individual da sexualidade da mulher atual e seus aspectos subjetivos apontam para uma libertação em relação aos padrões patriarcais coletivos e opressores que atuam, como esclarece Dimen (1988) no livro #meuamigosecreto:

"O patriarcado é, em seu conjunto, um sistema de dominação. Mas difere de outros sistemas de dominação, como o racismo, a estrutura de classes ou o colonialismo, porque vai direto na jugular das relações sociais e da integração psicológica - o desejo. O patriarca ataca o desejo, o anseio inconsciente que anima toda ação humana, reduzindo-o ao sexo e depois definindo sexo nos termos politizados de gênero. Paradoxalmente, entretanto, a sexualidade, estruturada dessa maneira, torna-se reciprocamente escultora do desejo, com o gênero organizando simultaneamente parte do desejo dentro do ser. Não apenas a sexualidade, mas todas as manifestações do desejo são assim influenciadas pelo gênero e, dessa forma, as raízes do desejo, ele mesmo fonte da experiência pessoal, são escalonadas em hierarquias"

Foucault, no seu livro "A história da sexualidade I" afirma que a sexualidade funcionou como um dispositivo de poder a partir do momento em que surgiram regras sociais para controlar e determinar o que é permitido ou proibido, levando práticas da sexualidade a serem classificadas como normais ou patológicas, lícitas ou ilícitas. A partir do lugar de quem está produzindo esse discurso é que é determinado o que passa a ser vivido coletivamente como regra ou transgressão da regra e esse lugar de fala é do homem falando sobre a sexualidade feminina.

Associada aos papéis específicos de cada gênero, a liberdade da mulher vai sendo tirada e controlada desde a forma como dizem que elas devem se portar, falar, se vestir e suas funções sociais.

A função de cuidadora, de esposa e mãe é vivida como a regra do que é "ser uma mulher" e os efeitos psíquicos que surgem a partir dessa violência mostram mulheres mais pressionadas e sobrecarregadas, e cada vez mais distanciadas da sua essência de como ela pode criar significados próprios para realidade da vida no seu corpo, na sua relação, na maternidade e em qualquer outro âmbito do próprio ser para se realizar.

Oscar Wilde dizia que tudo é sobre sexo, menos o sexo, que é sobre poder. E quando nos é tirado todo poder, seja como agente social e transformador ou como indivíduo capaz, o sexo passa a ser algo distante de nós. Mulheres, teoricamente, não sentem desejo e se o sentem não deveriam. O corpo da mulher serve para dar prazer e não para recebe-lo.

Essas amarras sociais não são apresentadas de forma direta. Elas estão em detalhes do dia a dia, da maneira que somos criadas até quais espaços podemos ocupar. Nossos corpos são colonizados e nossa relação com o desejo apagada.

Olhar para a sociedade, para a cultura do estupro e para o lugar oferecido à mulher é o primeiro passo para entender que o que impede nosso prazer pode não estar dentro de nós, mas no mundo lá fora.


Todas as nossas experiências, dúvidas e angústias estão sendo compartilhadas no fórum - Trilha #2: Sexualidade | Olhando pra construções internas profundas - e assim, juntas, deixamos esse caminho mais fácil.


Renata Pazos é psicóloga junguiana com especialização em abordagem corporal, atua na área clínica há alguns anos trabalhando com a relação entre mente e corpo através da calatonia e dos toques sutis. Feminista em (constante) construção, vem dedicando-se a buscar novas formas de atuação terapêutica a partir de um olhar feminista para a Psicologia e psicoterapia. Tem como foco o trabalho com as mulheres e também o público LGBT.

Carol Patrocinio é jornalista e divide seu tempo entre escrever para diversas publicações sobre assuntos relacionados ao mundo feminino e ao feminismo, como o Ondda, seu canal no Medium, vídeos no Youtube e consultorias para negócios que querem falar com as mulheres.