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Em tempos de superexposição, escolhi não contar

Há um tempo eu fazia parte de uma revista online que vou apelidar de X. Todo mundo sabia que escrevia para X, lancei livros, aparecia com a galera, era um relacionamento sério e monogâmico. Até que acabou. Terminei, sai de onde estava, move it on. Avisei apenas a quem interessava (as minas do projeto), tirei o status no Face e não postei nenhum textão avisando a ninguém sobre a minha saída. Eu só finalizei o que precisava finalizar, sem alardes. Até hoje alguém me pergunta se ainda faço parte da tal revista. Quando digo que não, a pessoa se assusta. “Mas eu não sabia, você não contou a ninguém”. Não contei mesmo, nem sei se precisava. Sai, sem anunciação. Tchau, aur revouir, adeus.

Não é incomum que alguém torne a voz mais aguda junto com a pergunta “Como assim, não sabia?”. E não sabia mesmo, não conto quase nada sobre a minha vida a ninguém. Tem alguns motivos, mais o maior deles é que não interessa mesmo. Para que que a pessoa vai saber se estou namorando ou não, não vai lhe acrescentar em nada além da fofoca, que é sempre boa, devo confessar.

Lembro-me de uma amiga ter lançado em alguma rede social a pergunta: Será que a pessoa realmente está preocupada com você ou ela só quer uma boa fofoca?

Claro que isso tem outro nome. Desconfio de tudo e todos. Algum ser sóbrio diz “te amo”, certeza que ela não sabe o que é amor, me conheceu há 2 semanas, daqui a pouco vai sumir que nem os outros. Já aconteceu, porque não aconteceria de novo? Vou fazer um projeto que pode me arrecadar dinheiros, não vou falar para ninguém porque se eu contar a pessoa vai roubar a minha ideia e ai era minha única boa ideia, porcaria vai demorar a pensar de novo. São situações ligadas ao nosso passado, que por consequência nos faz mais desconfiados devido as nossas lembranças, precisando de uma confirmação se é aquilo ali que estou vendo ou se é aquilo que quero ver.

Eu dei meu primeiro beijo de língua (primeiramente foi selinho, eu tinha um enorme medo de língua, não me perguntem o motivo) com 13 anos num momento constrangedor, na frente de praticamente de todo o colégio. No dia seguinte todo mundo sabia, inclusive meu irmão, um ano mais novo, que fez questão de contar a minha mãe. Na época minha mãe tinha um medo danado de eu engravidar antes dos 18 (ela via muita TV na época) e fez um escândalo no Mc Donalds.

Eu não a contei porque nem foi bom e nem gosto de lembrar o quão poderia ser diferente. Senti-me exposta, como se estivesse saído da minha concha confortável e segura e algum predador me pegasse para eu virar comida para os seus filhotes. Digamos que toda vez que conto algo sobre mim me sinto assim. Sinto com o mesmo constrangimento de quase 15 anos atrás.

Há também aquela máxima de não contar a ninguém seus planos porque se contar alguma coisa vai acontecer e não vai dar certo.

Talvez de tanto acreditar nisso me desacostumei a falar qualquer coisa. Eu até conto, principalmente se no dia estou com tanta raiva ou algum sentimento ruim que não consiga me livrar disso comendo doce. Mas me arrependo, vigio se a pessoa não vai dizer nada a ninguém e sou tomada por uma ressaca moral e uma onda de pensamentos ruins catastróficos, bem parecidos quando ocupo minha tarde pensando em tragédias que podem acontecer comigo.

Claro que eu converso com as pessoas, mas o que falo tem a ver com uma piada da minha própria vida (tem situações típicas de uma esquete de stand up) do que o verdadeiro sentimento naquele momento e possíveis consequências daquela história.

Um exemplo é quando narro alguma história sobre algum ex para render algumas boas risadas. Tempero, exagero, enceno, mas o que me causou psicologicamente falando e a consequência emocional sobre isso não, não conto. Não interessa, lembra?

Não tem nada a ver com “quero parecer misteriosa porque assim vou chamar atenção e os rapazes vão querer revelar o mistério” porque ser assim, ter misterinho (como diria um amigo meu) me faz ficar escondida e quando se é artista a ultima coisa que precisa ser é uma pessoa escondida.

Quantas vezes eu fiz exposição e ninguém sabia por que simplesmente não convidei ninguém? Ou quantas vezes há uma surpresa quando alguém fica sabendo que bordo, pinto, desenho, rebolo até o chão, faço artesanato? E aquelas vezes recentes que as pessoas descobrem que eu escrevo?

Contraditório dizer que como tudo que faço é extremamente particular e pessoal, me sinto exposta. Sinto-me exatamente como me senti quando tinha 13 anos e o Mc Donalds da Saenz Pena descobriu por vias minha mãe que eu tinha beijado alguém. Então, para não me ficar assim, fico quietinha. Vou contando aos poucos, para quem eu sinto que não é uma areia movediça. Para quem eu sei, de alguma maneira, que não vai usar isso contra a mim numa briga (e se usar, vou lembrar e falar).

Eu também não sei até onde ser um livro aberto é a melhor coisa do mundo, não sei realmente se quero mudar. Já assumi que é a minha personalidade: de caracol com uma bela concha de cores de calda de sereia.


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Bia Quadros é do RJ e tem 27 anos. Formada em artes visuais, é ilustradora, artista plástica, escritora nas horas vagas e arte-educadora como principal ganha pão. Já apareceu no Buzzfeed, na revista Elle e por muito tempo prestou serviços para a revista Capirolina. Pode ve-la no seu Facebook , InstagramMedium e Tumblr.