O Brasil já foi o País do futebol, mas o futebol nunca foi das mulheres.
O preconceito latente e o machismo impregnado também invadem os gramados coloridos por unhas pintadas e cabelos longos. Mas futebol para elas é esporte pra macho. Macho com M maiúsculo mesmo.
São mães de família, gente simples que faz do esporte e do dom de berço uma forma de sustento. Mulher que cuida da casa, do filho, cozinha, tem outros trabalhos. Mulher que é várias em uma só.
Em tempos de pré-Olimpíadas, de crise política e econômica, me peguei pensando novamente no assunto. Lembrei de quando algumas das melhores jogadoras do Brasil ficaram sem time depois do fim do Santos. Me recordei dos milhões que engordam as contas bancárias dos melhores do mundo. E lembrei que por aqui a nossa melhor do mundo é uma mulher. Forte, batalhadora e que não ganha nem um décimo se comparado aos salários milionários pagos pela indústria do futebol aos que nasceram João, José. E ai não há como não pensar: ser mulher no país do futebol é jogo duro.
Em 2001 quando eu ainda não sabia o que faria da vida, apostei meu futuro no esporte. Afinal, se homem pode, porque não a gente? Comprei chuteiras novas e me joguei no difícil mundo do futebol feminino profissional. Foram dois anos de joelho ralado, saudades da pedicure e de muito preconceito. Sim, preconceito. Ser de uma família de classe média e ter olhos claros me fizeram a patricinha do time. E patricinhas não sabem jogar bola. Pelo menos é o que aquelas meninas pensavam.
A cada treino também me sentia tirando espaço de alguém que precisava daqueles poucos tostões para colocar literalmente leite na casa. Pra cuidar da família, pra tentar ter uma vida mais digna em um país lotado de rótulos sociais. Sucumbi à pressão, desejei um futuro mais confortável, quis dinheiro na conta e precisei abdicar de uma das coisas que eu faço melhor na vida, que é jogar bola.
Às vezes me pego pensando nessas meninas que, presas a um corpo de mulher, precisam ralar em busca de um salário que pelo menos lhe pague as contas.
Ser homem no país do futebol é fácil. Existe status, casa de praia, jatinho, festas regadas a champanhe e o que há de melhor. Para essas mulheres guerreiras, a luta é diária, árdua, difícil.
É difícil para a nossa melhor do mundo, é difícil para a menina da periferia que sonha com um futuro melhor, é difícil para quem tem talento, mas é carente de incentivo. É difícil para quem desiste e para quem insiste.
Lembrei também que a visão de que futebol é essencialmente um esporte masculino foi construída historicamente. Pasmem! No final dos anos 30 já existia um forte movimento que fazia calar os pés desenvoltos das mulheres talentosas. Já com o Estado Novo, no período do governo Vargas, o decreto 3.199 proibiu literalmente à prática do futebol feminino.
Afinal, para esses homens desta sociedade patriarcal lugar de mulher é dentro de casa. Durante muito tempo, o esporte para elas também era sinônimo de meninas masculinizadas, de classes menos favorecidas. Eu, por exemplo, entrei em um time profissional através de uma seletiva que pretendia mudar a cara do esporte feminino no país: queriam-se mulheres femininas.
Passados quinze anos desde o meu primeiro jogo em um grande estádio, ainda fico perplexa com a lentidão com que as coisas continuam caminhando para o esporte profissional feminino no Brasil. Reflexo da nossa sociedade machista que contamina com preconceito a disseminação e o incentivo do futebol feminino. Torço para que o esporte seja para todos. Que a bola chegue com mais verdade e aceitação aos pés delas.
Que os direitos sejam iguais e o reconhecimento seja latente. E que a chuteira possa ocupar mais pés pintados.
Texto publicado originalmente no Blog LamparinaScope, da Agência Lamparina, de conteúdo web.
Mariana Kid trabalhou durante 7 anos no digital da Revista Quem. Formada em jornalismo, é apaixonada por gastronomia, séries de TV, marcenaria e whippets. É também sócia da marca de sapatos A Mafalda.