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A dor de Luiza Brunet é a dor de todas nós

Foto: reprodução do Instagram da atriz

Foto: reprodução do Instagram da atriz

Luiza Brunet, atriz e ex-modelo de 54 anos, registrou queixa contra seu marido, Lírio Albino Parisotto, por agressão. O processo corre em segredo de justiça, mas ela narra ter tido quatro costelas quebradas após discussão em Nova York no mês de maio. Na ocasião, ela viajou logo em seguida para o Brasil e registrou o crime, tornando-o público algumas semanas depois.

Bem sucedida, rica, famosa e com uma família bem estruturada, Luiza Brunet não escapou da violência doméstica. Em sua declaração pública, disse ser um constrangimento ter de se expor dessa maneira aos 54 anos, mas que em nome de todas as mulheres do Brasil achou necessário fazê-lo. Nós te entendemos, Luiza. E te apoiamos. Porque a violência contra a mulher é talvez a violência mais democrática desse país, atingindo todas as classes sociais e escolaridades. Ela nem de longe se limita aos pobres e sem educação formal - isso é um mito que perpetua um preconceito de classe.

Quando o assunto é violência doméstica, o fator de risco é ser mulher. Não interessa se branca ou negra, se rica ou pobre, se estudada ou não (embora, é claro, essas variáveis façam diferença em muitos momentos). O que nos torna vulneráveis numa sociedade machista é o nosso gênero, e volta e meia casos como os de Luiza Brunet aparecem para não nos deixar esquecer disso.

Agora foi Luiza Brunet, mas já tinha sido Luana Piovani, Daniela Perez. São cinco mulheres a cada dois minutos, segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo de 2010. É Ke$ha, é Amber Heard. A violência de gênero não livra ninguém, nem mesmo aquelas que vemos como privilegiadas. A Justiça, no entanto, nem sempre entende assim: vale lembrar que Luana Piovani sofreu um revés quando processava Dado Dolabella por agressão, em 2013. O relator do caso não considerou que a atriz era vulnerável por conta de sua situação econômica: “é público e notório que a indicada vítima nunca foi uma mulher oprimida ou subjugada aos caprichos do homem”. Como se a lei Maria da Penha se aplicasse somente a uma parcela de mulheres e como se o dinheiro livrasse uma pessoa de sofrer qualquer tipo de violência, especialmente uma tão intrincada em nossa cultura.  

Luiza Brunet é rica, branca e famosa, sim. Luana Piovani é uma das atrizes mais conhecidas do país. Daniela Perez era filha de uma das autoras mais consagradas e estava no ar em uma novela da Globo quando foi morta pelo namorado. Todas elas passaram pelo mesmo constrangimento, pela opressão de uma cultura misógina e machista (e que foi fatal para Daniela) e pelas humilhações de sofrer violência e de torná-la pública. Caso elas (ou qualquer mulher desse país) precisem de uma delegacia da mulher aos fins de semana, não vão encontrar. Mas certamente terão sua palavra posta em dúvida, seu papel de vítima relativizado e terão muito menos apoio - institucional e cultural - do que o agressor.

Não estou dizendo aqui que a situação financeira não faz diferença. Seria uma desonestidade, já que a dependência econômica é sabidamente um dos motivos que mais dificultam a denúncia das mulheres até hoje. Sabemos também que as mulheres negras morrem muito mais do que as brancas nesse país. O que estou dizendo é que há situações em que a discriminação e a violência se dão por conta do gênero, e Luiza Brunet viu isso da pior maneira possível.

O que estou dizendo é que, enquanto vivermos nessa estrutura patriarcal e profundamente desumana com as mulheres, há muito mais em comum entre eu, você, Luiza Brunet e todas que enfrentam a desigualdade cotidianamente. Enquanto o Brasil (e o mundo) considerar que nossa vida vale menos, a dor de Luiza Brunet doi no mesmo lugar que a minha. Cada agressão sangra em todas nós.


Nana Soares é jornalista que vai escrever sobre desigualdades de gênero até elas deixarem de existir. Co-autora da campanha contra o abuso sexual do Metrô de São Paulo, escreve sobre feminismo e violência contra a mulher para o Estadão e faz parte do Pop Don’t Preach, um podcast sobre feminismo e cultura pop.