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Precisamos falar sobre (e com) as nossas sogras

Amparado pelo discurso odioso de que “o politicamente correto é chato e veio para estragar o mundo”, o humor continua – doa a quem doer – se apoiando em algumas figuras do nosso meio social para criar estereótipos e arrancar risos. O português e a loira são burros, o negro faz tudo na contramão da ética, o gay é invariavelmente promíscuo e afeminado, o nordestino é preguiçoso e acomodado. E muito embora seja necessário condenarmos até a exaustão todas essas estereotipagens, hoje eu quero olhar para outra figura que, não raro, é alvo de escárnio dos que acham que para fazer rir vale tudo, inclusive violar o espaço do outro: as sogras.

As piadinhas são as mais variadas possíveis: “feliz é Adão, que não teve sogra”, “sogra é que nem cerveja: só é boa no freezer, a -5ºC”, “sogra não é parente, é castigo”. Tem a língua de sogra, aquele brinquedo de criança que é uma tira de papel enrolada e que fica comprida quando a gente assopra, dando a entender que sogra é linguaruda, fofoqueira, intrometida. Tem o olho de sogra, aquele doce que – reza a lenda – recebeu esse nome por causa da função que se acreditava que a sogra tinha: vigiar a vida do casal. Tem um monte de música falando mal de sogra. Tem o Edibar, um personagem criado pelo cartunista Lúcio e que tem uma relação tão conflituosa com a sogra que sugere matá-la diversas vezes. O que começa como uma brincadeira de mau gosto termina como pura e simples incitação ao ódio e à violência.

E por mais que você ache que eu sou desprovida de senso de humor e que todo esse cenário é engraçadíssimo, uma coisa você tem que admitir: a má fama atribuída às sogras é uma condição inventada, sem nenhum embasamento científico, que caiu no gosto popular. Não há pesquisas, relatórios ou estudos que comprovem que sogras são ruins, invejosas, enxeridas, estúpidas. É, portanto, um mero preconceito que, ao ser popularmente abraçado e perpetuado a torto e a direito, coloca de antemão mil e uma barreiras em um relacionamento que teria tudo para ser amigável, mas já nasce comprometido.

Porque a gente ouve todas essas contraindicações e já trata de colocar no pescoço da sogra a plaquinha de indesejada, de desagradável, de pior pessoa do mundo. E se esquece de olhar para ela com um sentimento essencial para a boa convivência em sociedade: a empatia. Sogras são pessoas comuns, como eu e você. Pessoas com afetos, desafetos, virtudes e defeitos. Pessoas que têm todo o direito de discordar, de ter um dia ruim, de sentir insegurança – e de expressar isso. Pessoas que precisam de atenção, espaço, carinho, mãos estendidas. Acima de tudo, sogras são mulheres. Que, assim como nós, são diariamente silenciadas, descredibilizadas, violentadas, ridicularizadas, chamadas de “loucas”.

Sogras são mães. Que, assim como a sua, já se cansou de cozinhar para a família – ou de ser criticada porque não o faz. E já não aguenta mais ser responsabilizada por todos os eventuais vícios que o filho possa ter – enquanto o pai escapa ileso de todo e qualquer julgamento. E já não tem a menor paciência para ouvir críticas sobre a maneira como criou seus filhos – é fresco pra comer porque você deu opção; na minha casa, se não quisesse comer o que tinha na mesa, passava fome. E, acima de tudo, se de alguma forma intervém na vida do casal, é porque acha que aquilo é o melhor para o seu filho – e você não é obrigada a concordar, mas tem o dever de respeitar.

Portanto, gente, menos ódio não fundamentado, mais empatia. Qualquer um que critica a sogra simplesmente por ela ser mãe do parceiro ou da parceira está deslegitimando mulheres e mães. Está sendo preconceituoso e leviano. Está agindo como o raivoso irracional que, não importa em que a mulher pecou, a chama de vagabunda. Afinal, ela é mulher. Tá na ponta da língua. Tá no inconsciente coletivo. Falar que mulheres são vagabundas e que sogras são insuportáveis é mais fácil do que pensar e elaborar críticas contundentes.

E você até pode fazer isso. Só que é bom nunca se esquecer: se você defende essa estereotipagem e brada a todos pulmões que a sua sogra é uma pedra no sapato, não se espante se, por acaso, um dia, a sua mãe for considerada a pedra no sapato do outro lado da história.


Bruna Molon Grotti é jornalista, roteirista e escritora. Um pouco sensível demais, um pouco sucinta de menos. Na eterna luta para se desconstruir. No eterno processo de tentar entender que a gente não tem dois ouvidos e uma boca à toa. Facebook  Instagram: @brunagrotti Twitter: @brunagrotti Snapchat: brunagrotti