Eu queria ser diferente, queria escolher quem eu sou, como é meu coração, como são meus sentimentos mais vergonhosos, minhas inseguranças mais feias, minha estupidez em chorar escondida enquanto tomo banho e minha pequenice em sentir ciúme. Queria escolher meu corpo, meu cabelo, meu sorriso, queria escolher não ter miopia e nem ter pés gelados.
De tempos em tempos eu quero todas essas coisas e fantasio como seria não ser eu, ter outra vida, outro olhar, outros problemas, outros medos. Talvez quando falam que "o problema é sempre o outro", esteja implícito o hábito que temos em ter o outro como exemplo, em nos reconhecer pelo o que nos é externo.
Desde muito nova eu e minha irmã sempre falávamos uma para outra "se você ver uma menina na rua com um corpo igual o meu, me mostra?". Era uma vontade de se ver por aí, como se vendo alguém como "nós" pudéssemos então existir. Eu continuo querendo me ver por aí.
Uma vez eu vi diferentes modelos de corpos femininos usados para desenho, tinham diversos tipos: magra com peitão, magra com peitinho, com bundão, gorda com barriga bem redonda e seios pequenos, gorda com peitão e bundão, gorda com pouco peito e pouca bunda, gorda com cintura fina, tinham muitos modelos, mas eu não estava lá.
Fiquei com um pouco de fixação e fui buscar mais pela internet. Eu não estava em nenhum modelo. É como se eu não estivesse em lugar algum e essa sensação ainda me rodeia, sem perceber eu busco a mim em outras mulheres.
Faz um tempo pedi para o meu namorado "se você ver uma mulher na rua com um corpo igual o meu, me mostra?" e percebi que continuo ainda não querendo ser como sou, ainda não me vejo por aí e fico gravitacionando na ideia de que não sou um modelo aceitável para nada.
Nem sempre eu consigo racionalizar e entender que não preciso ser modelo de nada, que não preciso existir pelo outro, mas eu ainda caio nessa cilada, ainda me vejo reproduzindo a ideia de que não sou válida, que não apenas meu corpo, mas eu como pessoa, não me encaixo.
O título que usei no texto foi retirado do livro “O Pintassilgo”, da Donna Tartt, que me identifico muito, no qual o personagem diz:
“Não se trata de aparências externas, mas de significado interno. Uma grandeza no mundo, mas não do mundo, uma grandeza que o mundo não entende. Aquele primeiro vislumbre de alteridade pura, em cuja presença você floresce mais e mais e mais. Um eu que não se quer. Um coração que não se pode evitar."
É um desejo meu, florescer no mundo, mesmo tendo um coração que eu não consigo evitar, mesmo sendo um eu que eu não quero muito.
Milla Pupo gosta de Harry Potter e Gilmore Girls e aprendeu a andar de bicicleta e usar roupas coloridas depois dos 30 anos. Escreve no seu blog sobre vários assuntos.