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Mulher no poder é sempre sinônimo de empoderar as mulheres?

Nós feministas sempre exigimos mais mulheres no Poder. Exibimos números e gráficos para escancarar o abismo de representatividade entre homens e mulheres na política. É um problema que se repete no mundo inteiro, mas especialmente no Brasil a situação é gravíssima. Há ações de governos, ONGs e da ONU para reverter esse quadro, há lei de cotas para os partidos (que nem sempre são cumpridas), e ainda assim a desigualdade persiste. Mas será que estamos mirando o alvo certo? Será que só a eleição de mulheres basta para garantir o avanço nos nossos direitos? 

A resposta curta é: não, mas ainda assim é importante que o façamos. É importante porque somos 51% da população e portanto qualquer representação abaixo disso é injusta. Ponto. No Brasil, nunca fomos mais de 10% dos Congressistas e levamos mais de 100 anos para eleger uma mulher (que foi deposta do cargo). É uma taxa que em nenhum universo pode ser lida como coincidência ou acaso. É desigualdade estrutural mesmo. 

Ter homens no comando não é o caminho para garantir políticas para meninas e mulheres e nem de longe garante o avanço das pautas feministas. Por isso nós devemos sim lutar para colocar mais mulheres no Poder. Há vários exemplos que mostram que nós (e outros grupos tradicionalmente marginalizados) tendemos a legislar ou governar de maneira mais progressista. No Brasil, a votação pelo Impeachment deixou isso bem claro, mas a lógica é bem simples:

se pertenço a um grupo que sofre com alguma opressão, tendo a votar contra elas. Só que obviamente nem sempre a regra se aplica. 

Num país como o Brasil, estruturalmente machista, racista e classista e excludente das piores formas, é sem dúvida muito importante ter uma mulher no comando. É um peso simbólico inegável. Mas não é o símbolo que governa. É preciso ação, e a ação pode partir tanto de homens quanto de mulheres. 

Temos no Brasil um ótimo exemplo disso. O ex-presidente Lula fez dois governos com inegáveis avanços para as mulheres: a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres, a promulgação da Lei Maria da Penha e as primeiras Conferências Nacionais de Políticas para Mulheres são alguns deles. Já sua sucessora, Dilma Rousseff, nem de longe acompanhou os avanços do Lula. Em seu primeiro governo, Dilma nem tocou na palavra aborto, tão comprometida que estava com as bancadas mais conservadoras de nossa política. E no caso de Dilma, o fato de ser mulher ainda foi usado pelo próprio governo para amenizar as críticas sobre (a falta de) políticas na área. 

Se os governos Dilma pouco fizeram para as mulheres, na hora de se reeleger e nas tentativas desesperadas de salvar seu governo era para nós que ela apelava. Era o caráter inegavelmente misógino de seus opositores que Dilma destacava. A presidenta tinha razão, mas não deixava de soar um pouco hipócrita dado os sucessivos golpes que os movimentos sociais sofreram em suas gestões. 

No Canadá, temos Justin Trudeau fazendo um governo exemplar em termos de políticas para as mulheres e LGBT. Há representatividade e o primeiro-ministro não se esquiva de falar abertamente sobre o tema. Já no Reino Unido, Theresa May é a governante, mas suas políticas são conservadoras. Ainda por lá, não esquecer de Margaret Thatcher, ex-primeira-ministra britânica e que sempre buscou dissociar-se da causa feminista e não ser vista como um fruto da emancipação das mulheres.

Resumindo: ser mulher não é pré-requisito para fazer um governo feminista. 

É necessário, no entanto, voltar à resposta inicial: não é porque homens podem governar com enfoque progressista e abarcar as nossas pautas que devemos nos conformar e não demandar postos de comando. Enquanto nossa representação em cada órgão do governo não for igual a das ruas está errado. Cada conselho, câmara municipal e Assembleia Legislativa precisa ter paridade de gênero. Não queremos "tomar" o poder de ninguém, só ocupar o que é nosso por direito. 


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Nana Soares é jornalista que vai escrever sobre desigualdades de gênero até elas deixarem de existir. Co-autora da campanha contra o abuso sexual do Metrô de São Paulo, escreve sobre feminismo e violência contra a mulher para o Estadão e faz parte do Pop Don’t Preach, um podcast sobre feminismo e cultura pop.