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#7 Para se conectar com o que realmente importa

No fim do último ano, peguei a lista de metas que eu havia escrito no ano anterior para saber o que eu tinha conseguido cumprir de fato. Foi aí que uma ficha caiu: conforme o ano se desenrola e a vida flui, muito daquilo que a gente escreve, cheias de inspiração e ansiedade na virada, deixa de fazer sentido.

Essa semana, chequei algumas listas dos anos anteriores, que ficam todas no mesmo cadernino. Elas compreendiam itens como:

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1. perder peso

2. aprender a tocar algum instrumento

3. ser mais cuidadosa com a minha saúde

4. ser mais presente para a minha família

5. aprender outra língua

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Olhando para trás, poucas dessas resoluções faziam verdadeiro sentido. Não que não possamos aspirar coisas, é claro que podemos. É bonito e nos impulsiona. Mas antes, precisamos nos conectar com o que realmente importa. Aquilo tudo que está guardado lá dentro.

Reconhecer emoções, sentimentos e necessidades de forma clara é um passo enorme para que a gente possa se movimentar bem no mundo, se relacionar de forma tranquila e leve, e conseguir o que a gente de fato precisa: seja acolhimento, afeto, companhia, recursos materiais, propósito no trabalho, entre outras coisas.

Se não entendemos exatamente quais são as nossas necessidades e anseios reais, acabamos nos impondo metas sem sentido, que traduzem apenas uma parte, uma fração ínfima do todo, ou que funcionam apenas como tapa-buracos: tiram a atenção dos processos mais importantes e complexos de transformação e crescimento.

Se olharmos para o nosso mundo interno com atenção, conseguimos revelar o pano de fundo das metas mais imediatas que brotam nas nossas mentes. Isso aumenta o nosso campo, nos deixa mais resilientes e diminui a probabilidade de frustrações.

Com esse novo viés, menos objetivo e mais sutil, revi as metas do último ano.

Quando eu disse, por exemplo, que queria perder peso, a necessidade por detrás era me sentir bem, confortável com meu próprio corpo. Quando falei que precisava aprender a tocar algum instrumento, o que estava implícito era a vontade de desenvolver um campo mais sutil e sensível, me conectar mais com meu lado artístico e musical.

Se eu fosse olhar para as resoluções objetivas, como elas estão, chegaria à conclusão de que falhei. Não perdei peso (pelo contrário, ganhei) e não aprendi a tocar um novo instrumento. Mas, por essa outra perspectiva, mais profunda e compassiva, percebi que encaminhei ambas as coisas, de outras formas - ainda melhores do que as previstas.

Estou em contato com o meu corpo, aprendendo a reconhecê-lo e aceitá-lo. Percebi que ele mudou, com a idade e os novos hábitos. As formas são novas: é um corpo diferente, nem melhor, nem pior que o antigo. Me sinto mais saudável, disposta e potente. Me acolho mais, me aceito mais. E isso é muito mais incrível do que "perder peso", além de ser exatamente o que estava por detrás dessa resolução torta.

Então, antes de partirmos para as listas e cartas de intenções, o desafio é exercitarmos esse olhar cuidadoso: reconhecer nossas necessidades reais.

Prática: traduzindo listas em necessidades verdadeiras

1.

Sente ou deite em posição de meditação, em algum lugar tranquilo. Respire fundo algumas vezes e solte todo o ar. Tome um tempo para fazer essa prática de meditação de atenção plena, guiada pela Carol Bertolino.

2. 

Voltando da prática, pegue um caderno e uma caneta. Escreva, sem elaborar muito, desejos que estão latentes para você agora. Busque frases simples como: “gostaria de passar mais tempo com as pessoas que amo”, ou então “gostaria de estar mais em contato com a natureza". Escreva o quanto quiser, sem travas.

3.

Não se dê por satisfeita. Depois de escrever seus desejos para o próximo ano, tente destrinchá-los em necessidades amplas e reais. Por exemplo: “gostaria de mais tempo com as pessoas que amo” pode virar “gostaria de me sentir pertencendo a algum grupo", ou “gostaria de me sentir amparada e apoiada". O exercício é descobrir as necessidades por detrás dos desejos aparentes.

4.

É a partir desse espaço que você vai escrever a sua carta de intenções para o próximo ano: espreitando por detrás das aparências. Com menos objetividade, no sentido de determinar tarefas específicas a serem cumpridas, e mais contato com seu mundo interno. E com honestidade e gentileza, sempre.

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Seguimos juntas.


Anna Haddad é fundadora da Comum. Escreve pra vários veículos sobre educação, colaboração, novos negócios e gênero, e dá consultorias ligadas à comunicação, comunidades digitais e conteúdo direcionado pra mulheres.