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#10 Meu amor é meu: coisas que deixamos florescer para além das relações amorosas

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Quando passamos algum tempo em uma relação, nós nos fundimos com a paisagem do outro. Não precisa ser uma relação de anos: basta alguns meses emocionalmente envolvidas para notar que a mente vai para lugares nunca antes vistos. Relações longas e rotinas divididas então, trazem essa perspectiva para um outro patamar. É como se você, ou o que antes te definia, ficasse um tanto turvo. Mudam a rotina, o sono, o jeito de se alimentar, os horários. Os gostos se misturam, se transformam: antes fazíamos assim, agora fazemos assado. Os movimentos do outro influenciam os nossos, quase como numa dança que ninguém controla, apenas acontece.

O mesmo acontece mesmo fora de uma relação, quando estamos muito focadas em algum cenário – de trabalho, estudos, vida acadêmica, ou no desempenho e futuro da nossa vida afetiva e amorosa. Entramos em uma bolha de realidade, e nos perdemos um pouco de nós mesmas.

Ainda, a vida corre tresloucada. São várias as tarefas diárias e as preocupações. Acabamos ou entrando em atividades só por entrar, atividades que não nos alimentam - pelo contrário, nos drenam – ou ficamos inercialmente estacionadas na expectativa do outro, sempre.

Quando nos damos conta, estamos um tanto desconectadas. Parece até que sabemos mais do outro do que de nós próprias. Sentimos falta de coisas que nem sabemos mais o que são. Os antigos programas não fazem mais tanto sentido, mas aquilo que a gente tinha quando estávamos ali, sozinhas (no melhor sentido da palavra), com os amigos, nos rolês, isso sim parece fazer sentido: uma sensação de que aquela sim, era você. Uma sensação de completude.

É normal que, numa relação, a gente mergulhe no universo do outro. O outro provavelmente está fazendo o mesmo. Mas precisamos aprender o caminho de volta.

E esse caminho não tem a ver com apartar, com ser auto-suficiente, com, necessariamente, sair sozinha e criar um muro para o/a companheiro/a. Tem a ver com retomar um contato íntimo consigo. Com  silenciar, olhar para dentro, reaprender a conversar conosco. Criar um espaço de respiro, onde possamos nos perguntar: o que me faz feliz, para além da relação? O que quero nutrir, agora, para sustentar satisfação e vivacidade?

Depois, temos que estar atenta para colher as respostas. Exercitar uma auto-escuta empática, cuidadosa e amorosa. Fazer uma colheita abundante de tudo o que brotar. Muitas vezes, é difícil entrar em contato com respostas genuínas: foi tanto tempo descolada da essência, dessa linha telefônica com o que temos dentro, que precisamos de certa paciência para conseguir replugar. Mas é esse o caminho.

Aprender coisas novas, descobrir músicas e bandas, ir a shows, sair com amigas queridas para um papo comprido sobre questões importantes, parar sozinha em um novo café para rabiscar o caderno com ideias e textos, visitar a família, levar o cachorro para o parque e tomar tempo para olhar em volta e fazer uns rabiscos, estruturar um novo projeto maluco – não importa. Conseguir se escutar e, depois, praticar essa autonomia de conseguir auto-gerar brilho interno é algo impagável.

Disso, vem a confiança de que está tudo aqui. Nós mesmas podemos identificar necessidades, gostos, desejos, vontades genuínas, e podemos também atendê-las. Sozinhas, não no sentido de separadas do resto, mas num viés de não dependência: podemos contar com nossos recursos internos, com nossas redes, com inúmeras ferramentas que temos ao nosso redor. O parceiro/a pode ser um desses pontos luminosos. Ou pode não ser. Não importa.

Mas aí, o caminho é outro: sabemos o que queremos, o que nos motiva, e, para o outro, fica um convite. Se ele aceitar ou não, é o de menos. Temos nós mesmas no barco.

Nossa sugestão de prática

Tente tirar cerca de 20 minutos para essa prática. Você vai precisar de um caderninho (ou papel), caneta e, se tiver, canetinhas coloridas.

Vá para um lugar onde possa relaxar, se possível. Ajeite o ambiente de forma que te agrade, fique em uma posição confortável. Respire fundo algumas vezes, tome consciência do seu corpo. Tente encontrar um princípio de relaxamento brotando.

Primeiro de tudo, é importante identificarmos em que pé estamos conosco mesmas. Numa relação, envolvidas emocionalmente, muito focadas na nossa vida afetiva e no seu desenrolar, solteiras, não importa. A identificação, aqui, perpassa sacarmos o nosso nível de desconexão. Então, se pergunte: com que frequência tenho conversado comigo com a profundidade que gostaria? Estou me sentindo apertada, espremida? Tenho me engajado em coisas que me fazem brilhar, que me dão energia, que me são indiferentes ou que me drenam?

Dê uma nota para o seu descolamento e desconexão de você: de 1 a 5, sendo 5 a mais grave e 1 a mais leve.

Tente não se julgar, julgar o seu momento, a sua relação, o/a paceiro/a. Encare essa prática com ludicidade e leveza.

Siga e se pergunte:

Do que eu preciso no momento atual para florescer?

O que, no momento atual, me geraria estabilidade, vivacidade, brilho interno?

Que ações me trariam a sensação de autonomia, autocuidado, força?

O que eu poderia fazer para me orgulhar de mim mesma?

Desenhe você mesma no meio da folha. Como se você representasse um centro. Ao redor, escreva com as canetinhas tudo o que vier a mente como resposta às perguntas acima, com certo espaçamento, para que não fique tudo muito grudado.

Também não julgue o que surgir – "isso é besteira", "isso é pequeno demais", ou "isso eu já tentei antes". Apenas deixe vir e registre. Vale tudo: desde ouvir uma música, abrir um vinho, rever fotos antigas, ligar para uma amiga, até fazer uma viagem que você quer fazer há tempos.

A ideia é que você visualize, em volta de você mesma, frases, palavras e expressões que representam anseios, vontades, necessidades e atividades.

Contemple o que escreveu por um minuto. Respire.

Agora, pense no que você precisa para colocar essas coisas que surgiram em prática. Talvez você não precise de nada, talvez precise de alguém em especial, talvez deseje uma companhia, talvez precise de outros recursos, de dinheiro. Pense e escreva, ao lado de cada resposta, os apoio possíveis para aquilo acontecer: ferramentas que você já vislumbra, já tem, e que pode lançar mão para fazer o que quer fazer. Exemplo:

Tocar piano / O André, meu amigo, toca e poderia me ensinar.

Quando terminar, tome mais um tempo para olhar para seu mapa de brilho interno. Esse registro bonito de uma conversa com você mesma. Note quantas coisas surgiram, e quantas coisas simples, que podem ser colocadas em prática desde já. Note também os recursos que você mapeou, e que podem te alavancar nessa jornada.

Se tiver fôlego, escolha uma das coisas para fazer ou começar a fazer amanhã.

Encerre a prática sabendo que está tudo aí. O maior obstáculo, na maioria das vezes, são os nossos monstrinhos internos.

Te espero no fórum. Seguimos juntas.


Anna Haddad é fundadora da Comum. Escreve pra vários veículos sobre educação, colaboração, novos negócios e gênero, e dá consultorias ligadas à comunidades digitais e conteúdo direcionado pra mulheres.