Não é de agora, não é invencionice nem modismo: Hipócrates (460 - 377 a. C.) já apontava para o que hoje ainda é uma tendência tímida entre lobbies farmacêuticos, tratamentos médicos e “inovações grandiosas” que vêm em pílulas cada vez menores: faz da comida teu remédio e tua cura.
Nossas avós bem sabiam disso. Para dor de estômago, chá de boldo; para acalmar os nervos, camomila; se for gastrite, corta os cítricos; se quer dormir bem, água de alface; para aquecer o coração, aquela compota caseira e quentinha. Em casos de qualquer enfermidade ou desassossego, uma solução colhida lá, do pé que brota no terreno, ou criada ali, na cozinha de casa, pelas mãos sábias de quem olha o alimento para além das calorias.
A comida traz na sua composição não só o poder curativo, mas também tem um forte poder preventivo. Se olharmos, hoje, para a comunidade da saúde, notaremos que os esforços e dinheiro estão concentrados em encontrar tratamento, em vez de pensar em prevenção. Temos o remédio para a gripe, a medicação que ajuda a controlar a hipertensão, diabetes, o colesterol e, vale destacar, continuamos dando passos importantes para remediar doenças que assolam nossa gente, mas ainda não olhamos para o antes, para a possibilidade de evitar que essas enfermidades batam à nossa porta. As pesquisas e estudos dão conta de nos avaliar como grupo, mas também é importante que a gente se lembre com frequência que somos um corpo único nesse mundo e isso significa que nem tudo que é bom ou ruim para aquela pessoa irá funcionar da mesma forma para mim, para você. Por isso é tão importante que escutemos o que nosso corpo diz, que procuremos os sinais sutis que ele dá informando quais as nossas necessidades reais.
Pensando nisso, não é importante prestar atenção em prevenir e não só em remediar? Não seria menos trabalhoso — e doloroso — se focássemos em ouvir e colaborar com nosso organismo a alcançar o equilíbrio necessário?
Quando olharmos para os alimentos, para a refeição como um momento de cuidado que podemos ter com corpo e mente, estamos indo na contramão da medicalização da vida. Dizer que somos o que comemos está longe de ser um mantra hippie. É uma verdade que ainda passa desapercebida, mas que merece uma atenção maior da nossa parte.
Em vez de pílulas que previnem e pílulas que remediam, temos os alimentos de verdade, que têm a capacidade do atuar no antes e também no depois.
Há uma sabedoria ancestral e potente por trás disso. Mulheres que carregam o conhecimento da terra, que escutam, observam e o aplicam. Que não precisam de pesquisas caríssimas e de financiamento duvidoso para comprovar o que a natureza já sabe há milênios. Que não precisam da publicidade dizendo que o alimento X nos enquadrará no padrão estético do momento ou que tal superalimento é anticancerígeno (e, de quebra, ainda queima aquela gordurinha na barriga!).
Não. Porque essas mulheres, curandeiras, raizeiras, olham com afeto para a nutrição do corpo e da alma. Olham com atenção para nossas reais necessidades e sabem que cada refeição, cada comida que ingerimos tem papel primordial em atendê-las. Não à toa a origem das palavras sabor e saber são a mesma — do termo latino sapere, que significa “ter gosto”. Esse conhecimento amorosamente resguardando, lá atrás, de avó para mãe para filha, tem se dissipado entre as últimas gerações por falta de interesse, mas também resiste. Resiste, por exemplo, em jovens como Mayara Boaretto e Isadora Carneiro, do projeto Mulheres da Terra, que resgatam o conhecimento ancestral e tradicional por meio das histórias dessas guardiãs — mulheres que com seu trabalho também ajudam a conservar biomas, a ampliar o registro de plantas medicinais e fomentar pesquisas sobre o potencial fitoterápico de plantas regionais. Outro exemplo é o Matricaria, que olha para a ecologia feminina e difundem informações preciosas para nós, mulheres.
E, com curiosidade, escuta genuína e observação, qualquer uma de nós é capaz de decifrar as necessidades básicas do corpo e encontrar, lá fora, na alimentação, possibilidades incríveis de cura, tratamento ou prevenção. A coach de saúde integrativa e especialista em saúde da mulher Melissa Setubal explica que alguns alimentos têm formato parecido com certos órgãos do nosso corpo e que isso não é uma mera coincidência. “A medicina tradicional chinesa afirma que há uma conhecimento por trás dessa lógica e que esses formatos são indicativos de benefícios específicos”, diz. Nesse caminho, o feijão, que se assemelha ao rim, é fonte leve de proteína capaz de acalmar nossas suprarrenais superestimadas pelo estresse da vida moderna e, ainda, ajudar a regular a pressão arterial, já que são ótimas fontes de magnésio e potássio. Já as nozes, ricas em gorduras monossaturadas e Ômega, é uma excelente opção para nutrir o cérebro — e, se você reparar, o formato do alimento e do órgão são, de fato, bem parecidos. As comparações entre fisionomias e os ganhos para o corpo não param por aqui. A natureza é sábia, basta que a observemos e que, escutando nosso corpo, façamos esse match acontecer.
E isso não é sobre o que cada alimento pode fazer com nossa imagem no espelho, mas sobre a forma como, cuidando com amor de nós mesmas, irradiamos uma beleza que não sai de moda e uma saudabilidade que nos mantêm fortes. Quanto mais aprendermos a cuidar dessa nossa casa — seja prevenindo ou remediando — e a nutrir corpo e alma com atenção, mais empoderadas, seguras e saudáveis estaremos.
Prática sugerida: cura que vem de dentro.
Se a comida tem todo esse poder, que tal olharmos mais atentamente para aquilo que colocamos na boca? Sugiro que na próxima vez que você se sentir indisposta, recorra às receitas das mulheres da sua família. Pergunte a sua avó de que forma a mãe dela costumava acalmar a cólica. Veja como a sua mãe lida com a gastrite. Converse com as as amigas e troque experiências.
É importante lembrar que quando a gente fala de alimentação, estamos falando sobre comida de verdade: aquela o mais livre de agrotóxicos possível, preferencialmente feitinha em casa, que a gente sabe a procedência. Esse cuidado tem de passar longe de ser mais uma pressão no seu dia a dia. O convite é para que seja um ponto de atenção que, com pequenas inserções, acabe virando rotineiro. Se a sua semana, por exemplo, é corrida, ou você tem outras dinâmicas alimentares, comece pequeno: que tal trocar o desembalar pelo descascar? Nas próximas compras, tente achar substituições para aquele produto industrializado: em vez de molho de tomate enlatado, que tal um molho de tomate fresco? No lugar da barrinha de cereais, por que não apostar num mix de castanhas e frutas?
Pequenas mudanças no dia a dia que trazem benefícios inestimáveis para nossa vida. Se você colocar alguma das sugestões em prática, me conta no fórum como foi? Também estou no processo e seria lindo trocar mais. Vejo você por lá.
Gabrielle Estevans é jornalista, editora de conteúdo e coordenadora de projetos com propósito. Nessa trilha, é editora-chefe, participante e caseira.